Voltando ao local do crime

POSTADO POR: admin qui, 31 de outubro de 2013

Nota do blog:
O conto abaixo foi enviado pelo leitor e colaborador Roj Ventura já há alguns dias, e devido a sua temática, complexidade, demasiado tamanho e características únicas, foi resolvido que atuaria aqui no blog como um especial de Halloween.
Nota do autor:
A ideia desse texto surgiu durante uma aula, onde o “Baralho Narrativo: Mistério” estava sendo utilizado como roteiro para narrativa.
As cartas sorteadas pelos alunos do 2º Colegial foram:
                Protagonista – Detetive
                Coadjuvante – Fantasma
                Trama – Investigar um Assassinato
                Local – Mosteiro Distante
                Destaque – Algum Personagem tem Amnésia
                Destaque – Algum Personagem tem um Problema Mental
                Evento – O Protagonista Morre
                Evento – Festa
Durante a aula as peças já começaram a se formar, e na madrugada acordei com a compulsão de escrever esse conto.
Pedro acorda de
supetão, saindo de um daqueles sonhos em que se está caindo.
Ele se percebe
dentro de um local apertado; pelo barulho e pelo balanço, parece estar na
traseira de algum veículo.
Atordoado, Pedro
tenta organizar seus pensamentos: Ele estava nos arredores da cidade, no velho
mosteiro, investigando uma festa. O cliente queria pegar um deputado no flagra
em uma festa cheia de drogas e prostitutas. Apenas um grupo seleto tinha acesso ao
evento. Alguma coisa não tinha dado certo, ele não sabia como havia sido preso
ali.
Não sente amarras, tenta achar a tranca da porta
traseira desta viatura e consegue sair de primeira.
Sem sentir o choque com o asfalto, Pedro corre para
um ponto da calçada onde a luz do poste é barrada por uma árvore.
O veículo segue seu caminho, aparentemente, não
perceberam sua fuga. Sorte.
Ele tinha conseguido fotos do tal deputado com seu
smartphone. Ainda atordoado, Pedro se lembra disso, mas o smartphone não está com
ele. Ele recorda do aparelho caindo, ainda na festa, por algum motivo. 
Azar.
O cliente é importante, só o escalaram para o caso
porque os organizadores da festa já conheciam seus patrões, os donos da agência.
Ele era novato na agência, mas tinha até trancado a faculdade de direito por
gostar dessa profissão.
Tentando lembrar onde o smartphone caiu, Pedro segue
para a saída da cidade e volta para a festa.
Já é alta madrugada, quase todos os carros já saíram
do estacionamento improvisado no pé do morro, mas o motivo não é o fim da
festa: dois carros da polícia estão estacionados lá. Algo deu muito errado na festa,
mas Pedro não consegue lembrar o que foi, mas tendo certeza que as fotos do smartphone lembrarão, ele refaz seus passos, desde o início.
De novo, ele segue
furtivamente para os fundos do mosteiro, onde uma parte desmoronada do muro
pode ser facilmente escalada, e sem ser visto, aproveita a brecha na segurança para entrar pela cozinha.
Encontra o local bem mais vazio, todos os cozinheiros e garçons se retiraram, mas os
seguranças engravatados, que ainda circulam pelo local, estão bem mais atentos.
Pelas sombras, ele espera a atenção do segurança se
voltar para o pátio central do mosteiro, onde ainda estão montadas as mesas da
festa, e consegue chegar até a escada sem ser visto.
Já no andar superior, Pedro segue pelo grande
corredor, dando a volta no grande pátio para chegar até a janela de onde
conseguiu tirar as fotos.
Os quartos deste andar estão com as luzes apagadas,
muitos com as portas abertas. Antigos dormitórios dos monges, esses quartos
haviam sido redecorados para acomodar os convidados e suas acompanhantes caso
eles se empolgassem muito durante a festa.
Pedro ouve passos, e entra imediatamente em um
quarto.
Pela iluminação que entra do corredor, ele percebe
que a cama está desarrumada, o lençol vermelho está no chão.
O deputado que Pedro deveria flagrar estava tão à
vontade entre seus amigos que nem tinha subido nos quartos para conhecer melhor
as moças da festa. Todas eram muito bonitas; acompanhantes universitárias, como
se costuma dizer nos classificados online.
Muitas fotos com essas garotas no colo do deputado
estavam no smartphone. Pedro tinha conseguido essas fotos escondido em um
quarto do andar superior, teria ainda que subir mais um andar para se lembrar
onde havia deixado o aparelho.
A sombra do segurança passa pela abertura da porta,
os passos se afastam, Pedro calcula que o segurança já está descendo a escada. Ele espia rapidamente o corredor, seu cálculo está
certo, ele volta para o corredor e segue para a escada que fica ao seu final.
Ao passar por uma sala próxima do final deste
corredor, Pedro percebe um vulto se movendo do outro lado do aposento. Ele para, na esperança de não ser percebido, não
consegue ver a outra pessoa, mas sente que ela ainda está naquela sala.
Olhando nos dois sentidos do corredor para se
certificar que ninguém está vindo, Pedro volta a se mover, e mais uma vez
identifica o vulto do outro lado da sala, em uma espécie de parede espelhada.
O vulto, de altura humana, flutua na parede.
Não é uma pessoa, é um borrão, uma sombra de feições
humanas, se move lentamente, e apesar de não ver seus olhos, Pedro sente que
está sendo observado atentamente por aquele fantasma.
Aterrorizado pela visão, Pedro abandona sua
furtividade e corre na direção da escada.
Tentando entender o que aquele fantasma de hábito queria com ele, Pedro sobe a escada e chega até o quarto de onde tirou as
fotos.
A porta ainda está aberta, mas seu interior está
iluminado. De dentro, duas vozes masculinas, eles parecem estar procurando
alguma coisa.
Pedro recua e entra em um sanitário, ao lado deste
quarto. Ele deixa a porta entreaberta e fica imóvel, tentando ouvir a conversa.
Eles estão xingando alguém, e falando algo sobre uma
câmera. Pedro percebe que estão falando dele, e também estão procurando o
smartphone.
Em poucos instantes, eles saem do quarto, passam
pela frente do sanitário, não percebem Pedro lá dentro e seguem pela escada.
Pedro volta a se mover, e percebe movimento também
dentro do banheiro: o fantasma, esse tempo todo, estava no espelho sobre a pia.
Assim que o percebe, Pedro se joga para fora do
banheiro, e temendo ser ouvido pelos dois seguranças que ainda estão na escada,
ele corre para dentro do quarto. Ele tem que lembrar onde está seu smartphone,
e tem que lembrar muito rápido.
A luz ainda está acesa, Pedro reconhece o quarto, a
disposição dos móveis é a mesma, mas estão todos desarrumados agora, gavetas
abertas e almofadas no chão.
Não, a câmera não está lá dentro, Pedro olha todos
os cantos e não consegue sentir a câmera em nenhum desses pontos.
Arriscando ser visto, ele vai para a janela e
observa a mesa em que estava o deputado para tentar recuperar essa lembrança.
A mesa do deputado ficava perto de centro do pátio,
ao lado de uma fonte. Não só essa mesa como todas as outras, aproximadamente
umas dez, estão todas vazias agora.
Chama a atenção de Pedro a aglomeração de várias
pessoas logo abaixo da janela: uma mistura de policiais, seguranças e homens
com trajes sociais circulam entre o piso e um largo canteiro de arbustos e
flores que fica logo abaixo da janela.
Dois seguranças procuram alguma coisa entre os
arbustos, outro segurança, juntamente com um homem de gravata, procuram algo
embaixo das mesas próximas, e dois policiais conversam com outro homem de roupa
social perto de uma mancha no chão. Uma grande macha vermelho escuro, na divisa
entre o piso e o canteiro, e Pedro percebe que os arbustos estão quebrados nas
proximidades desta mancha, como se alguém tivesse caído lá.
Nesse momento, Pedro se lembra.
Nesse momento, um dos seguranças que estava
vasculhando o canteiro acena para outros dois, que estão chegando da escada.
Ele aponta para o smartphone que acabou de tirar do canteiro, e segura
discretamente para que os policiais presentes não percebam.
Um dos seguranças que está chegando da escada faz
sinal de positivo com o polegar, também discretamente, e olha diretamente para
a janela onde está Pedro.
Pedro também o reconhece: foi aquele segurança que o
empurrou daquela janela.
Aquela missão não tinha mais importância alguma.
Aquela não era mais a vida de Pedro, e aquele não
era mais seu mundo.
Aquele segurança, que olhava para a janela, não
enxergava ninguém lá, mas soltava um risinho de canto de boca.
Aquele risinho.
Pedro já estava sumindo, mas aquele risinho puxou
Pedro de volta para esse mundo por mais dois segundos, para os dois últimos
segundos de sua vida. Seguindo algum caminho misterioso, a essência de Pedro
fez o presente se tornar passado, e mais uma vez ele foi empurrado pela janela.
Mais uma vez ele iria morrer, mas dessa vez, uma
coordenação extra de movimentos fez com que uma foto do seu assassino fosse
tirada quando ele ainda perdia o equilíbrio na janela.
Mais uma vez ele caía de ponta cabeça, mas dessa
vez, lentamente, Pedro teve condições de apertar o comando “enviar fotos”
durante a queda.
E então, ele some.
Roj Ventura