Uma parada no ‘Bar do Mau’

POSTADO POR: admin dom, 05 de abril de 2015

Ninguém, além dos frequentadores daquela área, sacava o que rolava
naquela pacata birosca, aparentemente perdida, em uma rua paralela pouco
frequentada localizada no tradicional bairro do Catete, no Rio de Janeiro. Suas
paredes ensebadas eram decoradas com propagandas de refrigerantes que não eram
mais comercializados desde a década de oitenta. As mesas e cadeiras de plástico
ressecado eram sortidas com cores e marcas de patrocinadores diferentes,
tornando impossível formar um só conjunto uniforme. Garanto que uma simples
pesquisa leviana sobre os diferentes nomes marcados no fundo das peças revelaria
que foram todas roubadas de outros estabelecimentos de melhor categoria.

Seu toldo amarelo, sujo e esburacado, ostentava um nome pelo qual
nunca era lembrado. Se você perguntasse a qualquer transeunte onde ficava o
‘Manchete’, ninguém saberia lhe dizer. Para todos os efeitos o lugar era, e
sempre foi, o ‘Bar do Mau’. Se o nome do bar era homônimo ao do proprietário? Também
não saberiam te informar. Mas era assim que todos chamavam o esguio homem de
meia idade, cabeludo como Mick Jagger, barbudo como Raul Seixas e coberto por
um chapéu tão estiloso quanto o do Brian Johnson, que montava guarda atrás
daquele balcão empoeirado. E ele atendia a todos… Ou pelo menos aqueles a quem
queria. Por que para ser atendido naquele bar, era realmente necessário ser
VIP. Não do tipo que precisa dar carteirada, usar pulseirinha neon no braço ou
se ridicularizar com camisas coloridas de gosto duvidoso. Para consumir
qualquer coisa no ‘Manchete’, tudo que você precisava era ser reconhecido pelo
Mau. Se ele olhasse pra tua cara e fizesse questão de lembrar-se do seu rosto,
você estava em casa. Caso contrário, corria o risco de ser cobrado uma fortuna
por uma simples cerveja, só para ser desafiado a abandonar o lugar e nunca mais
voltar ali.
Foi difícil entender essa política do bar na primeira vez que
acidentalmente entrei desavisado no lugar em uma tarde quente de verão. Hoje eu
entendo como fui ‘menino’ em chegar até o balcão e dizer:
-Por favor, me vende uma Coca-Cola.
Foi a
primeira vez que ouvi a voz do Mau, rouca como a de Joe Cocker. Sua resposta
saiu cheia de má vontade, do fundo daquela gruta escura que chamava de boca.
– Não trabalhamos com Coca. Só tem Pepsi.
– Ok. Pode ser Pepsi.
– Não tem.
Precisei de alguns segundos para tragar aquela resposta. Incrédulo,
olhei ao meu redor na esperança de encontrar outro alguém que pudesse elucidar
aquilo que acabara de escutar, e, além do cenário já descrito, tudo que vi foi
um senhor de cor, bebendo uma cerveja sem rótulo, sentado no fundo do ambiente
com uma bengala gasta apoiada sobre as pernas. E ele ria da minha cara sem
preocupação em disfarçar a graça.
Inflei o peito e tentei não sair no prejuízo.
– Como que não tem? E essas aqui que estão expostas no balcão?
– Ah, é. Tem essas aí. Mas estão quentes.
Eu já havia passado do ponto de retorno, e não podia me deixar abater.
– Não tem problema! Pode ser quente, é só colocar gelo no copo.
– Tudo bem, se você insiste. É cinquenta pratas cada uma.
– O quê?
– Eu disse que: ‘tudo bem’.
– Não. Qual o preço que você falou aí?
– Sessenta pratas.
– Como?
– Setenta.
– Setenta pratas por um refrigerante?
– Não,…Pelo refrigerante não…
– Ah bom, menos mal.
– … É pelo gelo.
– Ô amigo, tá de sacanagem? Se não quer vender o refrigerante, é só me
dizer. Não precisa fazer essa palhaçada toda.
– Tudo bem. Então é isso.
– Isso o que? Vai me vender o raio da Coca, ou não?
– Eu já te disse, amigo. Não trabalhamos com Coca. Só tem Pepsi.
Saí do lugar enfurecido, sem compreender como aquela birosca se
sustentava tratando os clientes daquela forma. Enquanto me afastava, ainda podia
ouvir a risada abafada do único freguês que habitava aquele ambiente. Eu
realmente não sacava o que rolava naquele boteco decrépito do Catete.
… Continua