Um soco por dentro dos seus córneos!!!

POSTADO POR: admin seg, 09 de setembro de 2013

ou, ‘O Menino que tinha resposta para, quase, tudo’

De todos os adjetivos pejorativos que a minha família usava para me definir na infância, o que eu mais gostava, ou o único que eu não considerava uma ofensa direta, era ‘Respondão’.
A dinâmica da coisa toda funcionava mais ou menos assim: Normalmente eu recebia alguma ordem ou imposição, que prontamente era questionada por minha pequena pessoa (até aí algo normal da idade). Logo a ordem era reforçada com a mais piegas das lógicas, e era aí que vinha a coisa que eles mais odiavam,… a tal da resposta.
‘Mas esse moleque tem resposta pra tudo! É um tremendo Respondão. Olha aqui, se tu me der mais uma respostas dessas, eu vou te dar um soco por dentro dos seus córneos que vou te varejar longe! Tá me ouvindo bem?!’
Silêncio.
Ouvindo eu até que estava. Mas e aí?! Respondia ou não?
Naquela época, descobri da pior forma que todas as perguntas da minha família dirigidas a mim eram retóricas.
Um tremendo nó na minha cabecinha infantil.
Ora, mas saber a resposta não é bom? Retificar algo que está sendo afirmado errado não é uma virtude? Encontrar uma solução mais simples para o que lhe é ofertado de forma complicada, não seria uma qualidade a ser admirada? 
Não no lugar onde cresci… onde independência era sinal de rebeldia e a inteligencia encarada como uma soberba.
Não é pra isso que vocês me mandam para aquela escola repressora? Para aprender? De que adianta aprender as verdades da vida lá fora, se em casa querem te ver eternamente cativo das mentiras de sempre?!
Eu sei as respostas dessas perguntas também, mas se eu disser,… Já sabe, né?
‘Maldito respondão!’, eles diziam. ‘Mas esse moleque tem resposta pra tudo!’, eles repetiam. ‘Eu vou te dar um soco por dentro dos seus córneos que vou te varejar longe!’, eles não me deixavam esquecer.
Passei a ficar limitado em responder mentalmente. Ouvia calado, formulava uma bela resposta mudo, e depois reprimia o impulso das minhas cordas vocais em dizer tais palavras em voz alta, sob pena de que pudessem ser as últimas ditas em vida.
Acho que no decorrer da minha existência acumulei tantas respostas em minha memória, que nunca mais fiquei sem uma.
Não era o meu excesso de ‘respostas’ que os incomodava tanto, mas sim o pavor da própria inaptidão da família em lidar com um garoto que nitidamente, ainda muito pirralho, já ultrapassava os frágeis limites dos parcos conhecimentos que eles podiam transmitir sobre o mundo ao redor. O que pelos meus cálculos, deve ter ocorrido por volta dos meus dez anos de idade.
E isso deve mesmo assustar. Imagino que cada uma das minhas elaboradas respostas que deixavam eles sem reação, deveriam bater tão forte quanto qualquer ‘soco por dentro dos córneos’. Embora eu tenha chegado até aqui ileso de levar um.
O mundo está sempre mudando de mãos, mas minha família não passa a bola não. Eu tenho parentes que ainda acham que a escada rolante funciona por meio de algum tipo de feitiçaria e se negam a subir em cima desse ‘artefato do demo’. E se você tentar explicar qualquer principio mecânico sobre esse engenhoca, vai tomar um safanão pra deixar de ser tão sabichão. Maldito respondão.
Eu não creio que tenha resposta pra tudo. 
Eu nunca vou saber responder por exemplo, como eu leio uma média de 40 livros por ano, e ainda assim sempre sinto uma incontestável necessidade de sempre ler e aprender mais, enquanto meus familiares acham que podem encontrar toda, e qualquer, refutação lendo apenas um livro em toda a vida.
‘-E o que não está na Bíblia?!’
‘-Ora, o que não está na Bíblia é obra do mundo, garoto. E o que é do mundo, não nos convém!’
‘-Mas meu professor disse que existe uma tal de teoria da evolução. E me pareceu fazer mais sentido que essa história de Adão e Eva.’
‘-Isso é um absurdo. Seu professor é um idiota, ignore tudo que ele falar a respeito desse assunto. Ele não sabe o que está dizendo.’
‘-Então eu posso matar as aulas dele?’
‘-Jamais! Eu não pago um nota preta de mensalidade escolar pra você ficar a toa!’ 
‘-Então não tem sentido. Você está pagando uma grana alta para o professor me ensinar algo que você não quer que eu aprenda. Isso sim me soa como uma baita estupidez.’
‘-Garoto. Se você me der mais uma dessas respostas, eu vou interromper A SUA evolução!’
Até hoje eu considero essa, uma ameaça em escala ‘bíblica’.
Realmente, eu não tive muito o que aprender com a minha família sobre o mundo que nos rodeia. Mas até hoje, não perco uma lição deles sobre as pessoas que convivemos. Porque o mundo muda de mãos, mas essas mãos nunca são lavadas antes de tocá-lo.
As pessoas,… Essas serão sempre as mesmas, covardes, ladinas, ingratas, corruptas, maliciosas, egocêntricas, pomposas, sabichonas, são todos um bando de malditos respondões.
E a prova maior de que, nesse quesito, a sabedoria da minha família é atemporal, é que, por mais que eu julgue esse texto independente e inteligente, no fundo eu sei que ele é apenas rebelde e soberbo. E que nesse momento eu devo estar merecendo um soco por dentro dos meus córneos que me varejaria longe. Muito longe.