Um Perigoso Jogo ao Fim de um Namoro

POSTADO POR: admin dom, 20 de abril de 2014

Sem perceber, ele fazia o carro percorrer o trajeto mais longo até o
seu destino. Queria acabar com aquilo logo, ao mesmo tempo em que procurava
dar-se um prazo maior para pensar em suas decisões. Seguiu com uma velocidade média
enquanto observava os outros veículos ultrapassar apressados com seus
condutores lhe oferecendo gestos exaltados pela sua lerdeza na pista. Mas isso
não o incomodava, tinha problemas bem maiores a lidar e estava dirigindo
exatamente em direção a eles.
Rumando para encontrar Doralice, a doce Dorinha. Menina pura dos seus recém-completos
dezoito anos de idade, filha do pastor da igreja que frequentou nos últimos meses,
praticamente o mesmo período em que conduziram um namoro casto e de acordo com
os padrões da congregação.
Tudo nos conformes. Tudo exatamente como manda o figurino. Até iniciar
sua faculdade de Filosofia e conhecer a selvagem Mikaela. Uma mulher despida de
qualquer pureza. Cabelos curtos pintados de um negro ébano, tão escuro quanto
uma noite sem luar. Um corpo destinado a pecar, encapado por uma pele alva e
cheia de pequenas cicatrizes causadas por acidentes de motos, brigas de bar e outras
histórias que ela preferia nem contar. E, para ele, o fato de ser dois anos
mais velha, a deixava ainda mais bela.
Foi necessário apenas um encontro antes que estivessem na cama. Dois,
para que nem precisassem mais da mobília para concretizar a transa. E no
terceiro já cometiam loucuras, como na vez em que ela o convenceu a penetrá-la
enquanto a doida fingia ser Dorinha, ou como ela gostava de lembrar: A menina
que ele jamais foderia.
Ainda assim, conseguiu chegar ao lugar estrategicamente marcado com
uma moderada folga no horário. Enquanto estacionava o carro já podia vê-la
sentada a mesa do restaurante, esperando com aquele sorriso digno que estava
prestes a abandonar. Estava decidido que jamais foderia com Dorinha em nenhum
dos sentidos, nem com sua vida, nunca com seus sentimentos e jamais com o seu
corpo, como Mikaela bem dizia.
Terminaria tudo. Pretendia começar a contar toda a verdade logo após o
jantar e planejava estar livre para correr entre as pernas de Mikaela antes
mesmo de terminar a sobremesa.
Sentiu que era o certo a se fazer, a doce Dorinha não merecia sofrer.
Fora seu primeiro namorado e abdicava naquele instante da chance de ser seu primeiro
homem a custo de um casamento que se sentia muito novo para conceber. O
problema não era com ela, era com ele. Bastava dar uma boa olhada em Doralice
para saber que qualquer rapaz se interessaria por uma menina meiga como ela.
Seus cachos acobreados, seu jeito afável, e principalmente seu corpo intocado.
De certo, encontraria alguém mais adequado para viver ao seu lado conforme os
preceitos religiosos que lhe foram passados. Mas infelizmente não podia ser com
ele. Ele, definitivamente, não estava preparado. Pretendia conhecer mais, viver
mais, aprender mais sobre aquilo que ninguém ensina.
Foi exatamente assim que explicou tudo para Dorinha que ouviu o desabafo
do namorado calada enquanto comia lentamente sua prosaica torta de limão como
um condenado em sua última refeição. E pelo silêncio, julgou certo que ela o entenderia.
Poderia estar magoada agora, sofrendo talvez, mas tinha certeza que apesar de
frágil, Dorinha sobreviveria à verdade.
Após uma pausa dramática, tentou segurar suas mãos como uma forma de
tranquilizar a moça, mas Doralice se desvencilhou do gesto e puxou os punhos
cerrados que se apertaram em volta dos talheres que segurava.
Ele teve apenas alguns segundos para ficar assustado quando viu o olhar
enfezado da menina, totalmente desprovido de qualquer traço de docilidade da Dorinha
que conhecia. A jovem fora acometida por uma fúria bestial e por alguns instantes
pareceu tão selvagem, ou até mais, que Mikaela.
Tudo isso só pôde passar pela sua mente por um rápido momento antes que
Doralice fincasse o pequeno garfo de sobremesa em uma de suas mãos com força
suficiente para que as pontas de metal encontrassem a madeira da mesa quando
transpassou o outro lado da sua carne. Ele gritou. E quanto mais ele gritava,
mais ela remexia e girava o talher como uma agulha de vitrola que procurava a
música certa enquanto o coitado expressava sua dor em diferentes tons de
lamento. Quando cansou de ouvir a “cantoria desafinada” do ex-namorado, Dorinha
cravou a faca sem ponta na garganta do rapaz e usou a serra sega para abrir uma
fenda irregular em seu pescoço. Ele tentou se afastar incrédulo enquanto se
afogava no próprio sangue, mas ela ainda mantinha sua mão presa ao garfo, presa
a mesa, servida como um prato principal.
No fim Dorinha acabou fodendo com ele em todos os sentidos, com o seu
corpo, com seus sentimentos, e principalmente com a sua vida. Talvez o problema
fosse mesmo com ela, e não com ele.
Doralice, a filha encantadora do pastor, foi presa minutos depois,
antes mesmo de terminar a sobremesa. Na cadeia, por fim, ela teve sua primeira experiência
sexual com uma pessoa mais adequada para conviver com esse seu novo lado. Alguém
que seguia os mesmos preceitos selvagens que a transformaram no dia que cometeu
aquele assassinato. Sua colega de cela, Mikaela.