Um início de vários fins.

POSTADO POR: admin qui, 31 de março de 2011

ATENÇÃO: Os eventos do conto abaixo antecedem o conto “Solução Problemática”
A jovem de cabelos negros já caminhava por volta de uma hora por entre a trilha de barro, o cenário composto por uma vegetação local não se alterava durante seu trajeto, mas ainda sim ela caminhava com firmeza, certa de onde queria chegar mesmo na escuridão da noite iluminada somente por uma parca lua minguante.

Ao chegar a uma clareira que circundava uma antiga figueira ela parou e espreitou um pouco ao redor se certificando de que estava sozinha naquele local a ermo. Abaixou-se e retirou das costas uma mochila surrada enfeitada com adesivos de personagens infantis que certamente não condiziam mais com sua idade, de dentro ela retirou os objetos que precisaria. Dispôs todos com cuidado na sua frente e respirou fundo antes de dar início ao ritual, abriu o livro na página previamente marcada e com um punhal ornamentado talhou em seu braço o símbolo impresso nas folhas de papel.
Deixou que as gotas de sangue que brotavam pingassem sobre a chama de uma vela negra que parecia se alimentar com o líquido rubro, enquanto ela entoava litanias tão antigas que nem mesmo a árvore ancestral postada a sua frente possuía primaveras suficiente para distinguir sua origem ou língua. Mas um nome contido nas frases da jovem era familiar não pela glória do tempo, e sim pelo teor de sua maldade.
Krumiel.

Ao ouvir seu nome a entidade ouriçou suas orelhas semelhantes a de um morcego e olhou para cima como se pudesse assim apurar a sua audição e quem sabe se certificar de que estava mesmo sendo chamado por algum mortal.
Nesses momentos os infernais viviam uma perigosa situação ambígua onde ao surgir a oportunidade de visitarem o muno exterior, também corriam o sério risco de ficarem sujeitos as ordens de seus invocadores. De qualquer forma, quando o nome verdadeiro de um anjo caído é entoado por alguém daquela forma, eles não tinham opções, tinham que atender ao chamado.
Krumiel rugiu exibindo em sua boca o seu excesso de dentes pontiagudos, levantou de sua poltrona feita de ossos humanos sacolejando o acumulo de poeira acumulado por décadas em seu corpo musculoso e preparou-se para uma viagem que não fazia a um bom tempo.
A jovem despertou aos poucos, não sabia por quanto tempo ficara apagada após o ritual mas já previa o acontecimento. Ao abrir seus olhos se deparou com um par de sapatos masculinos bem engraxados e um dos pés pisava o seu livro aberto. Mais acima seguia uma calça branca, e dentro dela um homem de estatura mediana e pele avermelhada.
Quando o olhar da jovem se defrontou com o homem que a espreitava em silencio, ele sorriu e estendeu a mão como que se oferecesse ajuda para ela levantar-se. Indicando que aceitava o apoio ela lhe estendeu o braço, mas ao contrário do que se imaginava a figura sinistra agarrou bruscamente seu pulso e o torceu de forma que pudesse ver os símbolos que foram gravados em seu braço.
-Não imaginei que algum mortal ainda tivesse coragem suficiente para um trabalho artístico do tipo. Ainda mais uma fêmea da espécie.
O homem soltou seu braço e lhe deu as costas caminhando alguns poucos passos a frente, tempo suficiente para a jovem conferir o seu relógio de pulso que ao invés das horas indicava uma estranha contagem regressiva.
-Você é Krumiel?
-E quem mais seria?
-Você,…você tem que me obedecer. Sabe disso não é?
A hesitação na voz da mortal indicava que ela sabia o que deveria ser feito, mas não tinha a menor ideia do porque, isso dava uma larga vantagem ao infernal quando chegasse a hora de se libertar dos laços da conjuração.
-Claro que sim minha,… adorável,…senhora. E o que essa pobre criatura pode fazer por você?
-Você não é o que eu esperava.
-Se refere a chifres, rabo e asas de morcego? Considere esta aparência o meu traje de gala. E então, em que posso… servi-la?
Temerosa a jovem lamentou sua história para o homem que ouvia pacientemente ainda ostentando o sinistro sorriso no rosto. Durante sua narrativa a garota fez o demônio experimentar vários dos sentimentos humanos, ela falou com choro, paixão, ardor, desejo e por fim explodiu em fúria ao fazer seu pedido de vingança. Por que no fim se resumia a isso, vingança.
-Humm,… eu esperava algo mais pulsante, mas vocês pobres criaturas de barro não conseguem mesmo ver além de seus próprios umbigos.
Ele se aproximou e segurou a cabeça da jovem entre as mãos de forma que ela não pudesse desviar seu olhar do dele.
-Então minha jovem, vamos atrás dessa sua justiça egoísta, e que aquele que lhe causou mal pague o preço de seu capricho.
-Eu quero que ele sofra,…como me fez sofrer.
-Acredite minha pequena,isso não será problema algum.

Esse conto fecha uma trilogia de uma história que foi contada de forma retroativa.