Um Dogma de Merda

POSTADO POR: admin sáb, 13 de julho de 2013

Você não pode ser muito infeliz se ainda está
absolutamente saudável
Este foi o meu terceiro encontro com a morte. A cada dia ela se aproxima
mais, vem chegando pelas beiradas, cercando.
– Não sei se chegarei aos cinquenta anos…
– Não fode o juízo, Pitz.
– É sério, não se pode atentar contra certos dogmas e sair ileso. Não se
vive sem pequenas mágicas. E eu destruí algumas.
– E por isso vai morrer?
– Por isso vou achando as pessoas detestáveis.
– Todo mundo??
– Uns oitenta porcento.
– Por quê?
– A maioria das ações humanas assemelha-se a dos outros animais da
floresta: poder e procriação. Nada mais.
– Você caiu num poço de depressão, caralho…
– Não, Geraldo, eu afundei em um poço de percepções escrotas; fui
deixando a visão passear sobre a multidão, longe e dentro dela ao mesmo tempo.
Sacou? Eu quase vejo o que se passa na cabeça deles, meu amigo… Não é nada
bom.
– E se for coisa da sua cabeça?
– Bem, então eu não serei o primeiro a enlouquecer pensando demais.
A médica chamou por meu nome. Lá dentro começou a verificar os resultados
da bateria de exames. Uma mancha no pulmão, batimento cardíaco descompassado,
tudo beleza.
– O senhor precisa aliar o tratamento a alguma atividade física
controlada.
– Ok. Pode ser boxe?
– Boxe? Não, por enquanto não. Pensei mais em algo como hidroginástica.
– Tá certo…
Receitou uma porrada de remédios, mandou segurar a onda do cigarro,
beber menos, tudo isso aí. O amigo Geraldo me esperava pacientemente no corredor.
– E aí, o que rolou?
– Estou fodido, mas dá pra safar.
– Legal. Vai pra casa agora?
– Não, quero ver se encontro algum livro do Hunter. Tenho que passar no
mercado e na farmácia também.
– Vou com você. De lá eu pego o meu rumo.
– Geraldo… Eu estava aqui pensando uma coisa.
– O quê?
– A infelicidade é tão necessária ao pensamento humano quanto a
felicidade. Não é?
– Deve ser…
– É sim… A flor mais bonita do canteiro está cheia de merda embaixo. Espero
que a vida me adube o suficiente.