Subindo alto no mundo da auto-ajuda.

POSTADO POR: admin ter, 13 de dezembro de 2011

Fico muito puto quando entro em
uma livraria e vejo uma sessão enorme destinada à livros de auto-ajuda. Bando
de ladrões. Um dos jeitos mais fáceis e desonestos de se ganhar dinheiro, é só
sentar o rabo numa cadeira e começar a digitar um monte de baboseiras. Qualquer
um que saiba escrever é capaz de fazer isso, qualquer um. Se eu fosse um pouco
mais cara de pau faria o mesmo. Pensando bem… não o mesmo, sou um cara que
gosta de inovar, escreveria algo mais pessoal, algo com valor, algo realmente novo e não
um recorte de livros anteriores.

Começaria o meu livro falando da minha infância, do jeito que eu conseguia
realizar tarefas complicadas… eu era bom nisso, sempre tinha alguma artifício
que me mantinha na linha e não me deixava desistir. Um bom exemplo é o que eu
fazia pra chegar à escola que ficava no topo de um morro. Escola professora
Zulmira de Paula Almeida era o seu nome, a escola do topo do mundo, maldita
escola. Todos os dias eu saia de casa todo arrumadinho, farda branquinha, bolsa
dos Power Rangers nas costas e o guarda-chuva na mão direita, fizesse chuva ou
sol o guarda-chuva estava lá por imposição de minha mãe. 

No começo o
guarda-chuva era um peso morto, só servia pra me deixar mais puto, mas com o tempo
percebi que ele poderia ser uma ferramenta muito útil em minha jornada. O
guarda-chuva seria o meu cajado e o morro da escola o meu Everest. Cada passo
no barro escorregadio era mais perigoso que qualquer gelo de qualquer montanha,
mas eu não desistia, ia em frente. Cara de mau, corpo suado, cajado, perna direita,
perna esquerda, cajado… e a cara de mau sempre lá. As pessoas me olhavam
admiradas, acho que pensavam algo como “Que garoto determinado” quando eu
passava.

Certo dia, quando já tinha passado do acampamento base, uma chuva começou. Não
vi chuva, vi uma pesada nevasca vinda do norte, levantei a minha camisa só
deixando espaço para os olhos e continuei a escalada com o meu cajado. O
barro/neve estava mais escorregadio que nunca, o vento estava forte, frio,
impetuoso. Mas eu não desisto… Nunca! Perna direita, perna esquerda, cajado
forte no solo, perna direita, esquerda, cajado. Acho que a montanha dobrou de
tamanho naquela manha, mas eu fui até o fim- com passos curtos é verdade, mas
até o fim. Naquele dia cheguei ao cume da minha montanha nas condições mais
adversas possíveis e foi um dos dias mais felizes da minha vida. Mas para a
minha surpresa as aulas foram suspensas, só fiz quebrar meu guarda-chuva e
ganhar uma gripe.


Outro episódio que eu iria colocar no meu livro é o da “Cólera do Dragão”. Quando
garoto, religiosamente assistia aos Cavaleiros do Zodíaco, sabia o nome de tudo
e de todos. Bons tempos. Meu favorito era o Shiryu, calmo, correto e poderoso. Eu
queria ser como ele, mas não nos parecíamos em nada. Pensei muito e cheguei à obvia
conclusão que eu ainda não me parecia com ele porque não tinha treinado o
suficiente, pura falta de treinamento. 
O primeiro passo foi deixar o cabelo crescer. O segundo foi aceitar que meu cabelo nunca ficaria daquele jeito – sou
negro- e o terceiro passo foi tentar repetir o maior feito do cavaleiro de
dragão, fazer uma cachoeira correr ao contrário. Claro que eu não tinha uma
cachoeira a disposição, tive de improvisar, ficava meditando sob a água
que caia do chuveiro e quando sentia que toda a minha energia estava no ponto,
deferia o meu golpe na água… mas ela nunca correu ao contrário. Minha mãe ficou
preocupada por uns tempos, sempre me perguntava o que eu tanto fazia dentro do
banheiro, eu não respondia… deixava ela pensar que eu estava fazendo o que
qualquer garoto da minha idade estaria obviamente fazendo trancado no banheiro.

Claro que eu poderia citar muitos outros episódios, a fase em que eu queria ser Benji
Wakabayashi
, a época em que ficava dando chutes a torto e a direito pensando
ser o karatê-kid e muitos outros. Mas os dois principais seriam o do cajado e o
da cólera do dragão, especialmente o do cólera do dragão, de onde eu tiraria a
lição mor do meu livro de baboseiras. 
Lá no finalzinho eu diria “nunca desista”
de um modo bem sutil, diria que até hoje quando vejo a água cair do chuveiro,
concentro meu ‘chi’ e solto um Cólera do Dragão bem baixinho. 
A água ainda cai, como sempre caiu, mas… quem sabe um dia eu consigo fazer igualzinho ao Shiryu?