Sentir o perfume de uma flor no lixo, e fuxicar.

POSTADO POR: admin sex, 14 de junho de 2013

O carro velho morreu antes que eu conseguisse pará-lo mais perto da
minha rua. Empurrei a lata velha por um quilômetro, sozinho, até quase cair de
exaustão. Por sorte havia uma garrafa de rum no banco de trás, esperando para
resgatar minha alma.
– Tá chegando ou tá indo?
– Chegando. Essa porra não aguenta mais andar por nada, está como eu.
– Quer ajuda para empurrar até a garagem?
– Cara, você caiu do céu!
Tulio é um camarada legal, daqueles que não consegue ver ninguém fodido
sem querer ajudar. Lembro que, quando a polícia apagou um garoto na frente de
sua casa, Tulio saiu logo depois para cobrir o corpo com lençol branco, acendeu
uma vela ao lado e fez lá sua rápida oração.
– E os livros?
– Estão nas livrarias pegando poeira.
– E sua esposa?
– Não tenho mais esposa, cara.
– Desculpa. É que a gente quase não te vê…
– Tá certo. Quer uma dose?
– Não, obrigado. Daqui a pouco eu tenho que ir para a missa.

Agradeci a ajuda, mais uma vez. Túlio saiu e eu tranquei o portão.
Depois tranquei o calhambeque 78 com corrente e cadeado, já que a porta do
motorista e as trancas estão com defeito.
– Tia, eu já comprei seus remédios.
– Obrigado, meu filho. O carteiro trouxe um envelope pra você.
Uma carta de editora. O escritor espera tanto tempo para obter respostas de editorias que, quando elas chegam é inevitável temer o conteúdo. Seu destino
depende agora de duas palavrinhas mágicas, e ali está o maldito envelope, seu
destino selado e avaliado por algum desconhecido. Suas palavras julgadas e
comparadas, e calculadas. Tudo está ali. Suas desistências, sua vagabundagem,
sua decisão de abandonar todo o resto, seus pensamentos mais íntimos… Ali
naquele envelope pardo.
“depois de muito avaliar, decidimos optar pela publicação do livro”.
“A singularidade das histórias é o ponto alto de uma obra que trás consigo
elementos urbanos (cotidianos) abandonados, em uma narrativa intensa e fascinante”.
Então você lê mais umas dez vezes, esfrega os olhos, anda pela casa. A
verdade é que você conseguiu de novo, mas ainda assim é difícil acreditar que conseguiu.
Então a garrafa de rum acaba, as risadas fogem da boca até sumirem no
breu, a carta resposta está amassada, acolhida no abraço apagado de um bêbado
feliz. Um perdedor que sempre soube encontrar diamantes lapidados em baldes de
lixo. E que sempre soube ser surdo, na medida exata para tentar ser artista.