Os segredos de um homem de sucesso

POSTADO POR: admin sex, 30 de agosto de 2013

‘Tem muita coisa boa, mas melhor não tem, que achar no chão uma nota de cem!’
Aprenda ser um homem de sucesso! Foi assim que eu acabei pagando duzentas pilas para entrar na palestra do Dr. Fabiano Dourado. Arrastei o camarada Assis comigo, tendo em conta que ele vive debruçado nesses livros de auto-ajuda.
– O Dourado transforma tudo em ouro!
– Até merda?
– É claro! Ele escreveu um livro para donas de casa frustradas e vendeu mais de um milhão de exemplares, depois escreveu um romance erótico que vendeu mais de 2 milhões pelo mundo todo! Ainda teve aquele das serpentes marinhas brigando pelo oceano índico, eu tenho esse livro.
– Então ele é pica mesmo!
– Pois é!

A Palestra começou ao melhor estilo show de pop, luzes coloridas circulavam pelo palco piscando, teve até aquele efeito com fumaça. A Narração anunciava que o escritor mais vendido do Brasil estava chegando (rolava uma música que me lembrou daquelas que tocam em academia), e pedia uma grande salva de palmas para o Doutor Fabiano Dourado, Best Seller em 12 países do globo terrestre, um ícone. Eu e Assis aplaudimos também. Ele entrou correndo, vibrante, aplaudido de pé.
– Boa noite, meus amigos! Fico feliz em observar tantos rostos interessados aqui hoje, é um enorme privilégio receber essa energia de vocês. E, para ninguém dizer que eu sigo roteiro pronto, quero começar respondendo perguntas da plateia. Ok? Vamos lá? Cinco perguntas, a produção vai levar o microfone até vocês.

O cara mais parecia um motoqueiro descolado, não tinha muito de Doutor. Apesar da roupa mais radical (moderninha), o estilo desregrado, transpirava burguesia e nobreza, típico dos autores contemporâneos de sucesso. Enfim, achei difícil que ele pudesse ensinar algo diferente (ou mais valioso) do que os bons livros já me ensinaram. Mas eu ainda tenho o sonho insalubre e tão humano de mergulhar o corpo nu em uma piscina com notas de cem; e talvez um perfeito cordeiro de adoração como aquele, que me guiasse ao mesmo sacrifício tão desejado.
– O senhor prefere escrever sobre o quê? – Perguntou a baixinha resfriada ajeitando os óculos.
– Bem, eu prefiro sempre escrever sobre aquilo que as pessoas preferem ler.
Nessa hora retruquei com Assis que no meu bairro ele teria de escrever piada suja e resultado de jogo do bicho na parede.
– Não posso pensar em mim quando meu objetivo é o leitor. Ele é quem paga por tudo que eu tenho, e portanto eu escrevo exatamente o que ele gostaria de ler.

Levantei a mão. O Assis até peidou quando viu meu braço erguido.

– Abaixa essa porra de braço!– ele disse.
– Caguei, Assis, esse Dourado vai ter que responder um lance.
O microfone chegou rápido e eu não me fiz de rogado:
– Boa noite. Você já fez alguma coisa sem pensar em dinheiro? Já escreveu por gostar de escrever, já compartilhou o que tem de mais estranho ou profundo na mente? – Assis estava azul.
– Sim, tudo que eu faço para o leitor é pensado com amor e em profundidade. Eu compartilho o que tenho de melhor, filtrando aquilo que o leitor não merece ler, como é a tarefa de um profissional de verdade. Não é uma brincadeira literária, senhor Pitz, nem um porre que amanhece livro numa prateleira, isto aqui é o mercado editorial, e para ganhar dinheiro não adianta berrar. – Senhor Pitz? Todo corno me conhece e eu não conheço ninguém!
– E o que eu deveria fazer meu camarada? – a produtora ainda tentou puxar o microfone.
– Esqueça o que você quer fazer, e dê o que o mercado quer receber. Monte um estilo, faça o leitor ver um personagem forte para além do personagem, seja um homem mais interessante. Compre roupas, capriche no seu marketing pessoal, interaja com o público, seja menos agressivo em suas discordâncias, faça amigos de valor, frequente lugares, conheça pessoas, flutue fora de seu universo mais seguro. E quando sobrar tempo escreva mais.
– Obrigado. – Respondi antes de sentar.
– Você é doente, Allan…
– Não é doença, Assis, eu precisei perguntar. O cara diz que o escritor tem que escrever menos e sair mais para comprar roupas! Eu fazia isso quando era ator de teatro! Talvez eu deva voltar…
– Para o teatro?
– Não, para Piedade, ontem teve tiroteio naquele morro perto da minha casa. E desse puto aí não vai sair mais nada que preste. Ele vai falar o que a gente já sabe.
– O quê?
– Vai pedir pra vender a alma, fazer marketing até na hora de usar o vaso, tirar foto de pratos de comida no shopping e colocar na internet, conseguir influência fazendo amigos influentes, enganação com a cara do leitor… Sacou? Não vai passar disso. A editora dele nunca publicou um negro, um gordo, um índio, um brasileiro de verdade!
– E os duzentos reais?
– Perdi; mas o lance agora é perder mesmo. Depois a gente ganha. Jogo é jogo.