O plano da goiaba para matar o dono do pomar

POSTADO POR: admin sex, 15 de fevereiro de 2013

Goiaba Mecânica
Moura, Geraldo, Ernesto e eu decidimos matar o editor de livros. Não seria nenhum pecado apagar aquele idiota. Talvez fosse o contrário, mais como um favor. Ganharíamos até condecoração divina se matássemos o animal. Foi o camarada Moura quem melhor definiu nossa missão: simplesmente um grande favor à humanidade.

1- Adamantino Moura.
– O senhor não acredita mais no meu material?
– Não é questão de acreditar ou não, eu publiquei a primeira vez e o livro não vendeu. Isso aqui não é casa de favores. Eu preciso de materiais vendáveis.
– E a qualidade, e a alma da obra?
– Não se trata disso, rapaz. Infelizmente. São negócios.
Moura queria matá-lo, não pela recusa, apenas pelo espírito capitalista que se apossou de seu raciocínio artístico. Ainda na cadeira do escritório, de frente para o sujeitinho, olhando fixo dentro de seus olhos comerciais, surgiu a ideia de matá-lo a sangue frio.

x.x.x
Lá pelas cinco e meia perguntei se colocaríamos o plano em prática ainda naquele dia, já estávamos bêbados de Daktar acrílica desde o início da tarde e continuávamos na garagem. Eu não via a hora de testar a mega-raiva acumulada daqueles que se perdem, ou agonizam ao lado dos sonhos, os malditos sonhos. Geraldo abriu a mala do Chevette vermelho 87 e mostrou as cordas, o galão de gasolina, as jaquetas de couro, as máscaras e as facas. Rimos, feito crianças no parque de diversões.

2 – Geraldo Neves
– Não se preocupe Geraldo, “O homem de três pernas” é o seu segundo livro. Com o tempo o publico vai aparecendo. Hoje mesmo deve aparecer mais gente.
– Não sei não, Pitz. Não teve divulgação. Só você e os meus parentes vieram.
– O Ernesto veio.
– Atrás de bebida, aquele sacripantas!
– Que seja… Mas veio.
– Você acredita que o canalha do Galvão falou que iria imprimir cinco mil livros e só imprimiu oitocentos?
– É claro que acredito. – Sorri da minha conclusão rápida e Geraldo fechou a cara.
– Fui enganado. Misericórdia, eu fui enganado!
– Relaxa…
– Porra nenhuma. Quero é sacanear o patife da pior maneira! Roubou-me onze mil!

x.x.x
A flecha vermelha riscava a estrada de borracha no inicio da noite laranja, voava na velocidade de 120 km/h. Ernesto bebia no gargalo de LED iluminando os lábios. Volta e meia atirava algum calhamaço antigo nas pessoas que encontrava pela rua.

– Vejam, acertei a cabeça daquele mendigo escroto com o Grande Sertão Veredas!!
Decidimos voltar, e terminar o serviço que Ernesto começou com o reles indigente; um teste simples para o grande evento que viria a seguir.

3 – Ernesto Olivares
– Eu vou me matar! É sério, Pitz, eu vou me matar!
– Vira o disco, Ernesto. Tu morre e o cara continua rico. Mais ainda.
– Eu tirei um empréstimo de 15 mil reais… Não tenho como pagar. Estou arruinado!
– Você parece bobo..
– Por ser sonhador?
– Não, por ter dado grana na mão do cara. Deveria ser o contrário.
– O que posso fazer agora? Minha poesia não existe! Meus sonhos estão mortos.
– Escute, o Moura me procurou ontem contando uma ideia maluca que ele teve. Acho que vocês deviam conversar.
– O Moura é doente.
– E você com papinho de suicídio é um sujeito saudável…?
– Está bem. Se for pra sacanear o cara estou dentro.

x.x.x
Não foi difícil achar a casa do editor. No fim da estrada um letreiro iluminado nos indicava: “A Casa do Editor”. Era uma mansão branca, com detalhes dourados, belíssimo lugar.

– Chegamos ao palácio. – Eu disse.
Estacionamos o carro e apagamos as luzes. Geraldo se antecipou caminhando cautelosamente pelo jardim até a porta principal. Vez por outra olhava para trás sorrindo nervoso. Fomos seguindo juntos em fila, já com as máscaras do palhaço Bozo ocultando o rosto e as facas em punho. Ernesto levava as cordas e a gasolina.

4 – A Reunião
Marcamos a reunião da vingança em minha casa. Ernesto não parava de falar sobre ‘o câncer editorial’ que assolava nosso país. Geraldo disse que o infeliz do editor o chamou de goiaba, e bateu com o telefone em sua cara na última discussão que tiveram.
– Me chamou de goiaba, aquele merdinha! Desligou e não atendeu mais! Nunca me pagou o que devia.
Moura só falava na cabeça exposta servindo de exemplo para os outros. Talvez, se tudo desse certo, mataríamos mais editores sacanas, limparíamos o cenário. Eu não estava nem aí. O que fosse decidido seria feito. Matar um homem não era mais que matar uma árvore. E nos últimos meses eu havia plantado umas seis árvores. Meu saldo positivo seria de cinco para um.

x.x.x
Geraldo tocou a campainha. Em menos de um minuto uma senhora respondeu sem abrir a porta.

– Pois não?
– Desculpe ter de incomodar a senhora, mas nosso carro ficou sem água aqui perto… Essa é a única casa mais próxima.
– Não posso deixar ninguém entrar. O patrão está trabalhando lá em cima. É um homem muito ocupado, não gosta de estranhos.
– Tudo bem senhora, não queremos entrar, muito menos atrapalhar o seu patrão. A senhora pode nos trazer uma garrafa de água. É só o que precisamos.
– Espere aí.
Era apenas a empregada. Colocou o braço pra fora estendendo uma garrafa de água. Geraldo agradeceu antes de enfiar o pé na porta. A velha caiu, ele montou sobre ela e desferiu duas facadas em seu peito, fazendo jorrar o sangue grosso e escuro. Entramos alucinados, prontos para iniciar a selvageria. O canalha observou a cena no alto da escadaria, correu e trancou-se no escritório.
– Ele vai ligar pra polícia! – Alertei.
Moura correu como louco, subiu as escadas e começou chutar a porta. Quando conseguiu arrombar, Galvão já o esperava do outro lado com a escopeta engatilhada. Um disparo na cara de Moura. Corremos para fora da casa e jogamos gasolina na entrada. Geraldo incendiou o outro lado da casa, a porta dos fundos. Lá dentro os disparos continuavam. Galvão triturava o corpo de Moura com uma sucessão de tiros. Se por um lado nós escritores o odiávamos, o editor também detestava qualquer escritor brasileiro. Matar o Moura foi um prêmio depois de tantos anos aturando esse tipo egocêntrico. Uma bala era pouco.
Saímos de lá acelerando o Chevette. A casa queimava e ninguém saía de dentro dela. Estavam todos mortos.

No dia seguinte a imprensa noticiava o terrível incêndio na casa do editor, e diziam que a empregada morreu queimada. Galvão conseguiu se salvar, mas seu artista número 1, Adamantino Moura, infelizmente, morreu carbonizado. Um livro sobre sua vida e obra está sendo trabalhado por Galvão, e deve vender um bom número.
Geraldo, Ernesto e eu não tocamos mais no assunto. Continuamos trabalhando fielmente para os editores.