O Pior Emprego do Mundo

POSTADO POR: admin sáb, 22 de fevereiro de 2014

Ou trabalhar na contra mão do desejo é um suicídio capital lento e doloroso
Não era assim que eu imaginava a minha vida aos 31 anos.. Não era assim que eu imaginava a minha vida depois de tantas publicações e conquistas literárias.
– ABAPRIM, bom dia! Eu sou Allan Pitz, em que posso ajudá-lo?
Aquele crachá pesava no meu pescoço. Nele uma foto minha com cara de assustado, abaixo o meu cargo: Serviço de Atendimento ao Cliente. O trabalho era uma droga, o salário um tanto quanto ridículo, mas a melhor parte era encarar 3 horas de trânsito (num percurso que deveria ser feito em menos de quarenta minutos) espremido em um ônibus fedorento e quente para pagar minhas dívidas. A volta era ainda pior.
– Ei, João, quanto você paga no meu calhambeque?
– Dou quatro mil e duzentos…
– Filho da puta… Você sabe que vale mais.
– Tempos difíceis meu amigo. É pegar ou largar.
– Eu pego, mas torço por você, para se ferrar e quem sabe até morrer dentro dele.
– Feito!
Quase todos os escritores recebem apoio de algum parente patrocinador que acreditou em seu trabalho, e esse foi o meu caso. Tinha um avô fissurado em meus contos e poemas, e uma tia que também vibrava, mas ambos estão mortos agora. A segurança dos anos dourados, onde escrever era única regra, deram lugar ao zero absoluto e a necessidade total, selando assim o fim da “vagabundagem literária” que fazia brotar minha filosofia natural e não acadêmica.
 E aquele emprego no interior de MG?
– Nada feito..
– Foi demitido?
– Nem comecei.
Rodei uma parte do país com currículos na bolsa, levei na mala algumas peças de roupas e uma porrada de livros do Hunter Thompson, do Bukowski, do Sartre, do Neruda. Ficava nos hotéis baratos, e pela manhã corria as cidades em busca de emprego. Se a vida me colocara no patamar obrigatório de ser um homem normal, eu seria normal fora da cidade grande. Porém a coisa toda, para variar, não saiu de acordo com o planejado. 
Lá estava o escritor, resignado, sentado na frente de um computador, atendendo clientes descontentes e lesados por uma empresa de bosta no Centro do Rio de Janeiro. E quando eu terminava o expediente, exausto de tanto enganar as pessoas, ainda corria até a faculdade para terminar o meu curso de letras, abandonado aos 22 anos. Todas aquelas garotas metidas cheirando a creme de morango passavam com seus badulaques tecnológicos, esgueiradas no conforto de algum carro importado, oriundo do rabo seco de um empresário escroto ou de um namoradinho medonho. A verdade é que eu não queria nenhuma delas nem a amizade deles, queria apenas dinheiro e por isso estava ali, mas confesso que reparar naquela gente fútil e rasa depois de um dia tão estressante de trabalho despertava em mim pensamentos que beiravam a psicopatia.
– ABAPRIM, bom dia! Eu sou o arrombado do Allan Pitz, em que posso ajudá-lo?
Cada ligação atendida me levava um dia vivo. Eu precisava acabar com aquilo.
Pois o inferno é não conseguir parar de pensar sobre questões infernais, senhores. O inferno é entregar a vida por um punhado ridículo de dinheiro nojento. O Inferno é passar pela vida sem ter o direito de viver a vida da maneira que bem entender, falhar com ela, virar seu refém. O inferno é ser escravo do papel capital, do papel da segurança, papel do status, e fazer papel de trouxa na frente dos objetivos e ilusões. 
Filhos da sórdida burocracia, todos nós. Ferrados e sem opção. 
Deus salve os ricos. E que o diabo se encarregue dos pobres, como sempre fez.
– Senhor Vitorino..
– Pois não, Pitz…
– Eu quero pedir demissão.
– Já?
– Sim, esse trabalho é um lixo.
Agora preciso de outro emprego para pagar a faculdade. O carro já era. O vinho acabou também. Mas estou feliz por não ver as almas tristes que perambulam pela cidade maravilhosa em um dia de trabalho escravo.