O John é um grande cara…

POSTADO POR: admin ter, 27 de outubro de 2015

Havia acabado de chegar à cidade.

Passei quase um mês rodando pelo planalto central e pela região da serra.
É meio que um caminho sagrado pra mim.
E todos os anos eu faço esse giro enquanto revejo antigos camaradas e participo de todo tipo de evento underground pra vender meus livros.
E tão logo coloquei meus pés na calçada, que circula a rodoviária da cidade, ouvi aquele som maluco e a voz inconfundível do John.
Ele ganha a vida tocando por aí.
É um cara que realmente veio pra tocar, como costumo dizer.
John não tem frescura e se apresenta em qualquer boteco que tiver a chance e toca onde quer que esteja.
E nesses momentos ele coloca uma caixa de sapato ao lado dos seus pés e conta com a colaboração espontânea do público.
Ele não precisa de muitas notas em sequência pra mostrar que sabe o que está fazendo com o violão que segura em suas mãos.
Gosto da visão que o John tem em relação a sua arte.
Eu e ele pensamos de um modo muito parecido e costumamos nos esbarrar por esse mundo louco sem que esteja combinado.
Não demorou muito e o som do freio de um grande ônibus bufou em seu devido box.

E naquele instante as pessoas se dirigiram ao enorme elefante branco com rodas e ficamos sozinhos.
“Como vai?”, eu disse.
“Muito bem, garoto, e você?”, ele me chama de garoto por conta dos seus 72 anos muito bem vividos.
“Estou bem, fui rodar um pouco por aí, pra não perder o senso de direção”, eu sempre digo isso a ele e recebo um grande sorriso.
E o que acontece na sequência também é invariável.
O John não consegue passar muito tempo com seus dedos paralisados e como tem um grande coração começa a escalonar as cordas e produzir sons que arrepiam a pele de qualquer um.
E dessa vez, ele pegou pesado, sabe que gosto de Lynyrd Skynyrd.

“lembro-me do dia em que ele veio
mal posso acreditar que faz tanto tempo
como um poeta
ele começou a tocar
apenas um velho amigo que estava pendurado com a banda
um homem bebendo que não tinha nenhum plano”

E rapidamente uma nova multidão começou a chegar.
“Ele canta feito um pássaro”, pensei.
Coloquei um livro dentro da sua caixinha de sapato e sabia que era a minha deixa.
Quando nos encontramos, temos esse pacto, eu o presenteio com um de meus livros e ele senta o braço em seu violão, pra que eu possa seguir o meu caminho sem que a gente precise se despedir.
Tanto eu, quanto ele, odiamos despedidas.
É como combinamos no verão de 1999 quando nos conhecemos em um festival de música e arte ao pé da serra.
A gente bebeu todas e selamos a nossa amizade com música e poesia.
É por isso que eu gosto do John, e revê-lo é sempre muito bom.