O homem que mentia para as mulheres

POSTADO POR: admin ter, 20 de dezembro de 2011

Ele é um bom rapaz, eu juro. O conheço desde o primário e já nesta
época ele apresentava este comportamento tão singular. Não posso escrever que
nunca menti para uma mulher e sei que pouquíssimas pessoas no mundo têm direito
de fazer tal afirmação, talvez umas cinco. Mas esse meu amigo, Giovani,
têm o direito e dever de fazer a afirmação inversa: Ele nunca falou a verdade
para mulher alguma.
Gio –como era chamado pelos amigos- era muito
bom no que fazia, mentia de coração, mentia com a alma. Era incrível, todas as mulheres
acreditavam nele. Ora eu o admirava com a mais pura inveja, ora
eu sentia nojo das suas mentiras fantasiosas, mas ele era um grande amigo e
tenho que admitir que vez ou outra eu acabara o ajudando fazendo algum papel de
menor importância dentro de suas encenações. Lembro de uma vez em que ele se passou pelo filho do embaixador
dos Estados Unidos e eu fui seu tradutor. 
Ele começou mentindo pra sua mãe:
Lavei atrás da orelha, não fui eu que comi o chocolate, ele que começou, já fiz
o dever…
Depois começou a mentir para as professoras e por fim, para as
namoradinhas. Lá pelos quinze anos de idade, desistiu de ter namoradinhas e
passou a ser um puro pegador, sempre que podia uma diferente.
E a vida de Giovani foi desse jeito até que em uma festa, avistou uma
garota baixinha, magrela e toda recatada, encostada na parede. Ele, como de
costume, se pôs em direção a sua presa, mas dessa vez algo totalmente inesperado
aconteceu, ele travou. Ficou em pé de frente a garota, enquanto sua língua dava
voltas e voltas sem formar fonema algum. O suor surgiu em sua testa e suas
pernas tremeram. Envergonhado ele deu meia volta, sentou-se sozinho no sofá e
ficou lá o resto da noite. 
Tentamos animá-lo, mas sem sucesso. Ele só
voltou a sorrir e a falar lá no final da festa, quando a tal garotinha veio falar
com ele. Uma conversa surreal que ocorreu mais ou menos assim:
– O que foi aquilo? – ela perguntou.
– Eu não sei. Sou muito tímido e de vez em quando essas coisas
acontecem comigo. – mentira absurda! Primeiro ele nunca foi tímido e ninguém
nunca o viu ficar sem voz antes.
– E agora, que a sua voz voltou, pretende me dizer algo?
– Sim. Eu queria dizer que você é a garota mais linda que eu já vi em
toda minha vida. – isso é um absurdo. Ela até que era engraçadinha, mas ele havia tocado mulheres bem mais formosas.
– Garotas como eu, não ouvem isso com muita freqüência. Qual o seu
nome? – Perguntou a garota entre sorrisos.
– Giovanni, com dois ‘n’. E o teu? – claro que o nome dele só
tem um ‘n’, não to escrevendo errado não.
– Ivana. Muito prazer em conhecê-lo Sr. Giovanni com dois ‘n’. Que
horas são?
– O prazer é todo meu, Ivana. E são exatamente 03:27. – mais uma
mentira, eram 3:28.
– Olha eu tenho que ir. Pego amanhã as dez no trabalho, nem sei o que
ainda estou fazendo por aqui.
– Certo… posso pegar seu telefone, meu amor? – ele arriscou,
arrancando dela mais um sorriso e o numero do telefone em um pedacinho de papel.
Logo na manhã seguinte ele ligou e eles se
encontraram algumas vezes, cineminha, parquinho, sorvetinho, mãos dadas, enfim,
a porra toda. Ele dizia “meu amor” daqui, ela mandava um benzinho de cá. Gio
ficou encantando. Acho que nunca teve esse tipo de relação antes.  As
coisas foram andando e não tardou até que Gio apresentasse Ivana à sua
família. Ela retribuiu e o levou para jantar em sua casa. Era coisa séria.
Oficial. Ninguém conseguia acreditar naquilo. Especialmente eu. Nada demais, Gio sempre teve esse poder com as mulheres, mas com ela, ele era meloso em demasia, isso era inédito. 
Pensamos ser piada, joguete,
alguma malandragem pra conseguir alguma coisa. Ele era um canalha, sabíamos disso,
sempre soubemos. Era só uma questão de tempo para ele se revelar. Fizemos um
bolão: Quanto tempo aquela melação iria demorar?
O tempo foi passando. Um mês, dois, três… até que todos nós
paramos de contar, não tínhamos mais como faturar aquele bolão. Tivemos que beber
o dinheiro para afogar a dor de ter perdido um amigo para o time dos casados.
Giovani, o namorador sério. Foi duro se acostumar. 
Quando havíamos
perdido quase toda a esperança, Gio abre a porta do boteco pedindo nossa ajuda, estava nervoso e mal conseguia falar. Demos cerveja ao moleque e depois de
alguns instantes ele desembuchou:
– Ela disse que me ama. Ela abriu a boca para dizer que me ama.
– E o que você fez, Gio? – perguntei ao perceber a aflição que
tomava conta de seu rosto.
– Fiz nada, velho. Fiz nada!
– Porque, meu velho?
– Eu não sei falar a verdade! – falou enquanto seus olhos se
enchiam de lagrimas.
– Calma, Gio. Calma… Mas, me responda uma coisa, você não a
chamava de “meu amor” uns tempos desse?
– Chamava, chamava. Mas isso foi bem no começo, quando eu não me
importava com ela. Eu dizia que a amava, que queria casar com ela, ter filhos…
A coisa toda. Hoje eu não consigo falar essas coisas por que simplesmente eu a
amo, quero casar, morar numa casa com jardim, três filhos. Tudo que você
imaginar.
– É… nunca pensei que iria te ver falar algo desse tipo.
– Nem eu.  Nem eu… Mas o que eu faço? Você é meu melhor
amigo, você tem que me ajudar.
– Eu não sei, cara. Se você não consegue falar, é melhor ficar
calado. Pelo menos vai ganhar algum tempo pra pensar.
Ele obedeceu. Claro que não era a solução definitiva, mas ele
conseguiu comprar algum tempo quando aliou o tal silencio a outras mentirinhas.
Inventou uma ex, problemas no trabalho, tia doente e mil e tantas coisas que
lhe bateram na telha. A paciência de Ivana foi se esgotando, ao passo que
sentia falta de provas da correspondência de seu amor. Gio se viu obrigado a contar seu terrível segredo, diria a ela que tudo que saia de sua boca eram mentiras descaradas.
Claro que não conseguiu. 
Um mentiroso falar que está mentindo, é um
paradoxo foda. Mais uma vez Gio inventou uma mentirinha. 
Ivana frustrada com a
aparente falta de amor de seu amado, Gio deprimido e frustrado com a sua
maldição. A situação ficou insuportável. Apesar do amor que ainda existia,
Ivana decidiu que era melhor a separação. Gio teve suas forças consumidas pela
dor que sentia em ver sua amada sofrer e não poder discordar de sua decisão.
Ela partiu.
Meses se passaram, Gio voltou a sair conosco, continuou a mentir
para as mulheres e de vez em quando ainda solta aquele sorriso moleque que
conhecemos desde criança. Mas sabemos que ele nunca mais foi o mesmo e até
hoje ainda pensa naquela garota baixinha, magrela e acanhada. A maior prova disso é
que ele secretamente frequenta um terapeuta –só eu sei do fato- e fundou um
grupo: os Mentirosos anônimos.