O doce beijo da garota morta

POSTADO POR: admin sex, 08 de agosto de 2014

Esse lance aconteceu quando eu tinha 18 anos, na época em que eu ainda acreditava em coisas que hoje jazem mortas ao lado da inocência daqueles tempos, na mesma cova rasa, decorada com bosta de cachorro e garrafas vazias.

Juliana era o nome dela, um sonho. Aquela garota me roubava o sono, o equilíbrio, e por vezes até a dignidade. Eu não achava digno de minha parte viver suspirando por conta de uma única mulher, pois existem tantas no mundo; com seus perfumes delicados, sorrisos cativantes, bundas mágicas e coxas grossas. Eu só tinha 18 anos! Ficava puto por gostar tanto de uma garota em especial, mas não era algo que eu pudesse controlar. Uma vez a vi com um daqueles idiotas que perdem 30% do dia ajeitando o cabelo, esticando o pauzinho na cueca e se olhando no espelho, e me lembro de querer partir a cara dos dois. Estávamos no mesmo cursinho, e a cada dia eles se aproximavam mais. Tomei o meu primeiro porre de amor pensando naquela loira diabólica.. Porre de corno, derrotado. Porre dos bons.
Então eu saí do curso. Não aguentei mais estudar ao lado deles. Não foi bem assim, a verdade mesmo é que eu detestava estudar, e isso também ajudou na decisão de largar o curso, contudo a imagem idiotizada do casal me deixava a dois passos de me tornar um vilão de HQ.
Sete anos mais tarde eu estava em cartaz com um espetáculo de humor em Copacabana, e lá do palco eu pude ver a garota sentada na plateia (errei o texto e quase caguei tudo inclusive). Juliana estava mais linda que antes, o mesmo bocão maravilhoso, a mesma cara de santa safada, mas, não sei se, pela mágica das luzes, a escuridão da plateia, o encantamento de rever meu sentimento abandonado, ela estava bem melhor agora. Na ultima cena fiz sinal discreto para que ela me esperasse lá fora.
– Juliana! Porra, quanto tempo, como me achou aqui?
– Eu gosto de teatro, e uma amiga do curso disse que você era ator agora. Que mudança hein, Pitz! Você parecia ser um cara tão envergonhado.
– Ah, garota, eu ficava assim com você.. Era apaixonado. (sorrimos disso)
– E então, como está a vida?
– Indo bem, tudo na paz. E você? Namorando, casada?
– Terminei um namoro recentemente, estou fazendo faculdade, essas coisas..
– Legal, legal.. Não vou esconder que prefiro encontrar você solteira. (sorrimos disso também)
Convidei Juliana para um chopp na orla, mas ela recusou, ainda assim trocamos telefone e promessa de nos vermos de novo. Quando ela já estava virando a esquina eu corri até lá e gritei por ela. Comecei a falar feito babaca tudo que sentia por ela na época do curso, e o quanto fiquei feliz por estar com ela de novo. Juliana sorriu, se aproximou, me beijou na boca e foi embora.. Sumiu na multidão.
– Flávio, sabe quem foi me ver no teatro ontem?
– Quem?
– Juliana, lá do cursinho, lembra?! Porra, falei mais do que devia, mas no fim a gente se beijou, foi incrível!
– Cara, isso não é verdade..
– Não fode, por que não?!
– Juliana morreu 5 meses depois que você saiu do curso.. Foi assassinada pelo namorado.
– Tem irmã gêmea?
– Não.
Desliguei. Tomei metade de uma garrafa de vodca. Pesquisei e achei as notícias sobre o crime.
Juliana ainda me beija de vez em quando, geralmente naquele momento em que eu estou quase pegando no sono. Porém nunca mais se materializou. Quando isso acontece eu pergunto no quarto vazio se foi ela quem me beijou, e algum objeto cai sozinho. Juliana ainda está por aqui, mas eu nunca saberei o motivo. Nunca entendi as mulheres, nem as vivas, e menos ainda as mortas.

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