O dinheiro é um bom criado, mas um mau senhor

POSTADO POR: admin qua, 04 de dezembro de 2013

Gon trabalhava há muito tempo
na mercearia do senhor Soc, um velhote avarento e difícil de lidar. Quando o
patrão bateu as botas, o leal funcionário não sabia o que fazer, pois não
conhecia nenhum parente do falecido e por tal motivo, colocou um anúncio no
jornal, para que um possível herdeiro se apresentasse para requerer seu
direito.
Certo de sucesso, Gon viu seu
objetivo falir. Confuso e sem saber que medida tomar, manteve-se cuidando do
estabelecimento, na esperança de um dia ter uma resposta para o seu anúncio.
Certa noite, já muito
cansado, Gon fechou as portas da mercearia e foi para o seu insignificante
dormitório nos fundos da mesma, precisava esticar o seu esqueleto e descansar,
pois mantinha o estabelecimento aberto por doze horas seguidas, diariamente.
Sob a luz da vela, ele quase dormia quando viu a maçaneta da porta fazer o seu
tradicional ranger enquanto girava no sentido “abrir”.
Com medo, arregalou ainda
mais os seus olhos e disse:
— Quem está aí?

Não ouviu nenhuma resposta,
mas passos por conta do assoalho de madeira. Munido de toda a sua coragem,
passou a mão em um porrete e pensou estar diante de uma tentativa de assalto:
“Eu pego ele”, imaginou em silêncio.
Com todo o cuidado, abriu sua
porta e analisou o corredor em suas duas direções, estava vazio. Saiu pisando
na ponta dos pés e ouviu um som conhecido: “Ele está no caixa”, calculou Gon,
que continuou sorrateiro nas sombras e quando chegou até a porta que ligava o
corredor ao espaço de entrada da mercearia, teve uma grande surpresa. A vela
sobre o balcão acendeu, a caixa registradora estava aberta, e para deixá-lo pasmo,
viu nada mais e nada menos do que a alma penada do senhor Soc a contar o
dinheiro.
— Patrão! É o senhor mesmo?
Levou uma encarada potente do
velhote. Era o mesmo de sempre. O mesmo nariz torcido. O mesmo cheiro de ranço.
A mesma energia FDP.
— Não esqueça Gon, tudo isso
é meu! Eu não tenho herdeiros. Por toda a minha vida tudo que tive é a
mercearia, não vou entregá-la a ninguém, nem mesmo a você
— disse o fantasma do
senhor Soc.
— Claro, patrão, eu me
mantive aqui cuidando de tudo, na esperança de que alguém reclamasse o seu
direito. Não fiz nada, além disso. Nunca me passou pela cabeça tomar o que não
é meu.
— Mas e o dinheiro que está
faltando? Seu mentiroso
— disse o senhor Soc.
— Bem, eu tive de comer, de
comprar produtos para a mercearia; de consertar a goteira em meu aposento;
enfim, a vida segue patrão
— alegou Gon, tremendo suas pernas.
Naquele instante, a
manifestação mais fantasmagórica possível ocorreu. O velho Soc, de tão apegado
ao seu dinheiro, conseguiu apossar-se de seu empregado Gon, que mais surpreso
do que nunca, sentia-se tão velho como seu falecido patrão e seu âmago tão
pesado como a avareza do próprio.
No mesmo segundo, o agregado
ouviu uma voz em sua cabeça:
— Gon, nada mudou por aqui.
Eu mando e você obedece. E a primeira coisa que quero, é que mantenha a sua
boca fechada e o dinheiro dentro do caixa, do meu caixa.
 Vá para o seu
quartinho, estou cuidando da contabilidade. E amanhã, acorde cedo, como você
sabe, eu odeio funcionários preguiçosos.
No mesmo instante, o espírito
do velhote deixou o corpo do rapaz e voltou para o caixa, para seguir com a
contagem do valor.

Ainda atordoado, Gon não
discutiu a ordem e foi para o seu cômodo. Passaram-se anos e realmente nada
mudou: o senhor Soc mandava e ficava com o dinheiro, enquanto que o pobre Gon,
obedecia e sofria como um bom camelo, dedicado e honesto como sempre foi.