Muito antes de você morrer

POSTADO POR: admin ter, 05 de novembro de 2013

Estava empolgado, a escrever mais um texto pra enviar ao meu editor. Eu tinha esperança de conseguir uma nova publicação. Sentia como se estivesse em nirvana, a registrar um de meus melhores contos. Talvez, o mais perfeito de toda a minha vida. Aquele que ia me tirar da merda!
Era um dia quente, de pensamentos alcoólatras e realidade ruim, em que a brisa entrava pela janela e não abrandava a temperatura, ao mesmo momento em que eu via meu suor que molhava meu peito e salpicava meu texto.
Percebia que cada um dos pingos caídos sobre o papel me mostrava que não ter um climatizador pegava bem pra um maldito como eu, confinado no inferno de sua própria vida dentro de um vagão de trem.
Anotava desvairado, ao tempo em que dentro de mim, uma ansiedade me consumia. Meus dedos estavam rápidos como uma trepada com aquela lá. Achava que estava louco, pois minhas mãos pareciam ter vontade própria e muita pressa. Eu não entendia o porquê da afobação.
Sempre fiz a mesma coisa, escrevi, ao instante em que meu tempo findava e minhas contas atrasadas me obrigavam a vazar de casa, escondido, pela saída de emergência ao lado de minha janela, pra evitar cobradores com cara de leão de chácara e comportamento de pugilista no ringue.
Prestes a concluir um gancho muito bom no texto, ouvi:
O seu tempo se foi — me disse.
Como assim? — respondi de cara, olhando aquele manto preto em minha frente, pensando em meu texto inacabado.
Sem me replicar e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a Morte golpeou-me com sua foice incandescente. Logo que minha cabeça rolou, anotei minha última frase: “Eu sempre soube que ia morrer, mas não tinha ideia de quando e como”.
Agora eu sei! E você, quando e como, imagina sua partida? Talvez já esteja finado sem entender que o seu tempo acabou. No começo você se sente perdido, não sabe o que seu corpo faz no chão enquanto se vê em pé, ou mesmo a ler na internet.
Quem sabe esteja ainda no rio, sentado na barca que a Morte conduziu até o ancoradouro, em dúvida se deve seguir a luz ou deixar que as sombras o levem. Eu senti o que você sente. Vi o meu sangue a borbulhar no chão quente do vagão de trem em que morei uma vida toda.
Por isso, meu amigo maldito, não perca seu tempo com perguntas e decisões idiotas depois da chegada da Morte. Afinal de contas, o inferno é aqui. Não importa a direção que você tome, porque toda alma penada decide o seu caminho muito antes de morrer.
Eu segui as sombras até o limbo e mesmo já falecido e decapitado continuo a escrever, a suar no inferno que é um vagão de trem sob o sol escaldante de um mundo profano, o mesmo de antes, o mesmo de sempre. 
E você, o que faz em seu eterno caminho?