Madame Zula – um conto da Nicky

POSTADO POR: admin ter, 30 de outubro de 2012

Caso você note um certo clima sombrio pesando sobre o blog durante esta semana,… não se assuste. Isso ocorre porque estamos adentrando em nossa Semana Especial de Halloween onde preparamos algumas postagens ‘assombrados’ sobre o tema. 
Ou seja, os próximos dias do DpM serão dedicados ao Dia das Bruxas.

E para iniciarmos esta ‘semana pagã’, nada mais sensato do que inaugurar este especial emanando energia feminina. Então,… Para representar as mulheres e mostrar ‘que nem toda feiticeira é corcunda’, convidamos a jovem Nicky Silva para colaborar com um texto para o nosso Halloween, o que ela fez brilhantemente no conto que você acompanha abaixo…
Noah sabia que se olhasse dentro daquela bola de cristal seu
destino mudaria para sempre.
– Quem está aí? – uma voz velha e rasgada ecoou junto com a
luz que se acendia – Madame Zula odeia visitas. – a voz parecia a de um gato
rouco e resfriado.
A idosa dava pequenas passadas de perna, e com dificuldade
chegou até sua bola de cristal transparente e semi quebrada, repousada em uma
almofada vermelha digna de um Sheik em cima de um balcão tão velho quanto o
tempo, mas que possuía qualidades que qualquer dono de antiquário mataria para
tê-lo.
Não havia nada de errado ali. Ela perceberia se algo
estivesse fora do lugar. A não ser por um cheiro de cachorro molhado que infestava
o velho, grande e pontudo nariz da anciã, fazendo escorrer água salgada de seus
minúsculos olhos cinzas quase pratas, imperceptíveis debaixo de todas aquelas
rugas grossas. Ela deu uma bela fungada e constatou que já estava vendo coisas
de mais.
Assim como entrou, a velha bruxa saiu. Deixando para trás um
Noah completamente paralisado. “Além de burra é cega” – pensou depois de soltar
o ar que havia trancado por uns bons três minutos.
O garoto sabia que devia sair dali, mas simplesmente não
conseguia obedecer a razão. Algo naquela casa velha lhe hipnotizava. Talvez
devesse ser o cheiro da madeira antiga, os vários potes de vidro etiquetados e
com condimentos estranhos, o perturbador silêncio ou até mesmo o papel de
parede rasgado e sujo com flores do campo.
Um frio percorreu sua espinha, sentiu algo gelado nas suas
costas, quis soltar um grito, mas sua voz não saía. Virou lentamente o corpo
para trás e lá estava Sebastian, o gato preto de Madame Zula, empinando seu
nariz gelado.
– Ah é você Sebastian… Me assustou. – disse Noah.
– Você não deveria estar aqui criança. – disse Sebastian.
– E você não deveria ser tão intrometido. – continuou o garoto –
Você sabe que venho aqui a meses. Eu só quero ler um dos livros dela, você sabe
onde ela guarda?
– Sim. Na biblioteca, perto da adega. No porão…
O garoto nem deixou o felino terminar e saiu correndo em
direção ao porão da casa da bruxa. Nem percebendo a bola de cristal caindo no
chão, muito menos espatifando-se em milhares de cacos, devido a um pequeno
esbarrão que deu nela. O gato foi atrás.
Instantaneamente os olhos cinzas como pérolas de Madame Zula
de abriram, e ela desceu as escadas até o porão.
Era um porão pequeno, com uma parede de livros e outra de
bebidas que até o mais velho lobo do mar nunca apreciara em sua guela cheia de
água salgada.
Havia também uma pequena porta, de mais ou menos uns
cinquenta centímetros de altura, onde passaria tranquilamente um cachorro de
porte médio, que a mulher havia trancado a alguns meses e não abriu até então.
Mais alguns de seus pequenos passos, e viu que estava tudo
em ordem, nem um livro fora do lugar. Mas sentiu aquela sensação novamente,
aquele cheiro de cachorro molhado. Foi então que um pequeno sorriso se criou em
sua face. Caminhou o mais rápido que suas pernas permitiam e alcançou um livro
de bolso com capa de couro azul marinho. Folheou algumas páginas e começou a
ler. Releu mais umas duas ou três vezes, para ter aquilo bem guardado na
memória.
Pegou uma chave de seu bolso e abriu o mini calabouço em seu
porão. Puxando um saco enorme de batatas, colocando no centro da peça.
Saiu do lugar, indo para a sala da casa, voltando dez
minutos depois com um grande espelho de bordas douradas. Pôs o objeto do lado
do saco, e uma vela a refletir. Como a iluminação era precária, a luz da vela hierarquizava
o local, tornando o rosto de Madame Zula ainda mais medonho e horripilante.
Algumas palavras incompreensíveis em um dialeto muito
antigo, e vualá. Uma fumaça acumulava-se na frente do espelho e quase que
instantaneamente o saco começou a se mexer.
Noah assistia a tudo atônito, vendo um braço sair de dentro
do tecido de estopa, depois outro, e logo uma cabeça. Moreno de olhos
castanhos, vestia uma bermuda jeans e camiseta. Era um menino. Estava morto.
Era Noah.
Ele olhou para o espelho e apenas refletia a velha, o gato,
e o pequeno zumbi. O garoto então percebeu que seu corpo estava sumindo, sendo
sugado por aquela estranha fumaça da vela. Madame Zula apenas sorria, um
sorriso bobo, e que se fosse a alguns anos atrás, até seria bonito.
Ela pegou um frasco e recolheu um pouco da fumaça, deixando o
resto a esmo no ambiente.
Guardou em uma prateleira, do lado de mais seis frascos,
todos com cores diferentes. Cortou a garganta do Noah Zumbi; desligou as luzes,
e voltou para seu quarto dormir mais algumas semanas até que a próxima criança
curiosa entrasse em sua casa para lhe fazer uma visita.
dito pela Nicky Silva