Levando a vida com sexo pago

POSTADO POR: admin ter, 14 de agosto de 2012

Chester Brown prova que dá pra levar a vida Pagando por Sexo

Imagine uma história em quadrinhos que relata de forma quase científica todas as experiências de um homem que decide apenas fazer sexo pago. Nem precisa perder tempo imaginando, o quadrinista Chester Brown escreveu e desenhou o álbum “Pagando por Sexo” (WMF Martins Fontes), relatando suas reais experiências com as profissionais do sequisu. E o mais impressionante de tudo, a HQ é extremamente sensível e cativante.

Tudo começa quando Chester Brown termina com sua namorada, mas continua dividindo um apartamento com ela. Ao fazer isso, Brown percebe que gostava mais da companhia dela do que do sexo e quer transar com outras garotas. O problema é que ele não acha muito bacana levá-las para a casa deles. Foi assim que ele começou a pensar em recorrer a profissão mais velha do mundo.

O álbum trata justamente dessa jornada que Chester Brown faz até se tornar um verdadeiro “john”, gíria em inglês para quem utiliza serviços de prostitutas. Durante todo o decorrer da história, vemos o autor sendo questionado por seus amigos, repensando sua forma de se relacionar e aprendendo a encontrar humanidade no mercado do sexo. Não é a toa que essa é uma das mais vendidas e comentadas histórias em quadrinhos dos últimos tempos.
Antes que sejamos atingidos pelos mal comidos do politicamente correto, Chester mora no Canadá e a vida das garotas de programas de lá não é nem de perto parecida com as brasileiras. As condições de trabalho são muito superiores e a renda da população é muito acima da nossa, permitindo melhores oportunidades. Pelo que é retratado no livro, só entra no ramo da putaria quem quer. Sem falar que o autor, apesar da aparente misoginia, trata todas as garotas com uma educação que deveria ser usada com qualquer prestador de serviços. Tem até um momento do gibi que mostra o autor bitolado em qualificar e escrever comentários sobre o desempenho das garotas nos sites de acompanhantes.

A verdade é que Chester Brown expõe tanto sua vida privada nessa história em quadrinhos que até incomoda o leitor com tanta sinceridade. Essa desmistificação do sexo é um dos grandes temas da obra de Brown, que conduziu com a mesma maestria uma experiência semelhante no álbum “Playboy” (Conrad). Neste primeiro e até então único trabalho dele publicado por aqui, o autor mostra sua relação com a revista “Playboy” e conta a história de sua “vida masturbatória”. Engraçado com as duas obras se complementam e tem até um sabor de continuidade.
Fiquei muito contente com o lançamento da WMF Martins Fontes, tive a oportunidade de ler o original enquanto trabalhava por lá, mas aproveito para puxar a orelha dos editores: por que deixar o livro com um acabamento tão pobre? Apesar da qualidade do miolo, a capa é muito fina e acaba ganhando rachaduras durante a leitura. Para não exagerar e pedir a capa dura do original, poderiam pelo menos ter feito orelhas com um bom texto de apresentação.
“Pagando por Sexo” é uma obra extremamente subversiva, mas que apresenta argumentos muito sérios defendendo suas ideias. Com Chester Brown, esse negócio de autobiografia não se resume a uma origem sofrida e perturbada, mas a exploração das depravações que fazemos no dia a dia. Seu trabalho parece até uma mistura de Charles Bukowski com Harvey Pekar.
No final da HQ, Chester Brown reúne uma série de artigos que escreve para rebater as críticas que recebeu durante sua experiência de viver só de sexo pago. Outro atrativo do livro é uma divertida introdução escrita pelo mestre Robert Crumb, um velho sacana de mão cheia.
Este lançamento foi uma grata surpresa, mas ao mesmo tempo deixa a vontade de ver a WMF Martins Fontes ousando mais em seu catálogo e lançando um número muito maior de títulos de quadrinhos e obras subversivas. Poucas editoras tem a tradição e a estrutura para publicar quadrinhos como eles.