Honestidade sem vergonha

POSTADO POR: admin qua, 08 de dezembro de 2010

Essa minha mania de acordar cedo por mais que a noite tenha sido de extrema agitação para aproveitar melhor o dia nas viagens nos fez ser um dos primeiros a chegar ao salão do café da manhã da pousada, o que é uma vantagem incidental, a última coisa que eu queria ao acordar é ter que dar “Bom dias” por educação a esmo para os outros hóspedes, não acho que o fato de estarmos hospedado no mesmo estabelecimento nos torne íntimos o suficiente para trocarmos comprimentos matinais, além de eu não conseguir articular bem as palavras antes de tomar o primeiro cafezinho da manhã e as pessoas podem pensar que estão falando com o Mutley.
Após tomar meu café pra fumar voltamos ao quarto antes que as outras mesas fossem preenchidas e o salão da pousada fosse tomado por famílias com crianças. No trajeto para nosso aposento temporário, em uma das áreas coletivas da pousada, um amontoado de latas de cerveja demonstrava que mais alguém por ali se esbaldou na noite anterior, talvez mais do que devia, porque um celular Nextel fora abandonado em uma mureta indicando que o grupo saira sem muita direção após a bebedeira. Me orgulhei do meu trabalho de detetive e olhei ao redor para me certificar que nenhum outro transeunte tenha feito as mesmas associações, peguei o aparelho e dei uma boa inspecionada, coisa fina, top de linha, com teclado alfanumérico, e tantos recursos quanto uma cafeteira moderna. Tentei ligá-lo sem sucesso, a bateria estava esgotada, e antes mesmo que eu pudesse raciocinar sobre a minha próxima ação ela falou:
-Deixa isso aí que quando o dono acordar vai sair doido atrás desse celular, parece ser caro.
Virei minha cabeça lentamente até que meus olhos cruzassem com o olhar repreendedor da minha mulher. Eu poderia citar a desculpa clichê de que “Achado não é roubado e quem perdeu foi relaxado”… no caso bêbado, mas estava claro que não funcionaria, ela apresentaria um contra-argumento e logo em seguida eu faria o mesmo, e tudo isso levaria tempo suficiente para o dono acordar e sair na caça do seu aparelho. Então coloquei o celular de volta a mureta e apenas pestanejei.
-Tenho certeza que se fosse o meu celular, ninguém perdoaria assim esse meu descuido alcoólico!
Da janela do nosso quarto eu ainda podia manter o celular duplamente perdido sobe o meu campo de visão. Mentalmente eu contava um prazo para que o proprietário o resgata-se antes que esse meu surto imposto de bom cidadão escorre-se por água abaixo.
A porta do quarto ao lado da mureta se abriu e um jovem cambaleante saiu se apoiando nas paredes, ele lavou o rosto no tanque externo da pousada e antes que pudesse enxugá-lo uma voz feminina estridente se projetou do quarto chamando-o, provavelmente sua namorada que continuava preguiçosa na cama. Ele voltou para dentro ainda ressacado, andando como se estivesse todo borrado em sua bermuda da moda para atender o chamado da mulher. E pela terceira vez o celular se perdeu.
Continuei de campana na janela ainda lamentando a oportunidade perdida, mas não demorou muito para que uma loira vestida apenas com um short jeans e a parte de cima de um biquíni desviasse a minha atenção, e então desejei que ela também estivesse perdida, ou ressacada, para que eu pudesse achá-la. Ela se deteve por alguns instantes durante seu caminho e pensei que pudesse ter me encontrado na janela com o olhar perdido em seu corpo, mas foi o celular perdido que a deteve. Reproduzindo meu gesto, ela conferiu ao redor e sem nenhuma hesitação não deixou o celular se perder uma quarta vez, pegou o aparelho e o comportou entre seus peitos, depois acelerou os passos para longe dali .
Suspirei frustradamente , desmontei a tocaia, e me envergonhei da minha honestidade, que me fez perder para a loira oportunista.
Quando saímos do quarto para finalmente aproveitar o resto do dia topamos com o jovem “borrado” que vasculhava desesperadamente a área, ele remexia na pilha de latas de cerveja e até mesmo dentro dos lixos. Ele nos viu e questionou:
-Com licença, mas vocês viram um celular Nextel por aqui?!
Encarei minha companheira que claramente deixara a pergunta para ser respondida por mim, e retruquei:
-Não companheiro, mas seja lá o que tenha acontecido com ele, tenha certeza que é culpa da mulher.
-Da minha mulher?
-De todas elas…