Fragmentos de um dia Lento

POSTADO POR: admin qui, 13 de maio de 2010

Eu acordei na hora marcada, o despertador funcionou,. .infelizmente. Me levantei e vesti a minha melhor cara,e quando me olhei no espelho, não me reconheci, e esse era o certo. Era isso que as pessoas esperavam encontrar, uma cara lavada de babaca.
Me apeguei aos últimos minutos em meu apartamento, enquanto eu ainda podia fazer do meu jeito, enquanto eu ainda podia utilizar meu precioso tempo para praticar meu resto de ócio em paz.Fumar meu cigarro, bebericar meu café, alternado, um após o outro, preso em um circulo vicioso de vícios, enrolando o relógio, estendendo o tempo até seu limite máximo, antes de estourar minhas próprias limitações.
Me lancei na rua como um criminoso em sua última caminhada pelo corredor da morte, me censurei pelo excesso de drama e repeti orações da noite passada. Embora a pressa fosse exigida, tudo é sempre lento a essa hora da amanhã, todos se movimentam vagarosamente, relutantes em cumprirem suas estúpidas rotinas,. . eu estava prestes a ganhar uma dessas rotina e me tornar um deles. Praguejei por não ter aproveitado melhor meu tempo em dias passados, talvez ter lido ou escrito mais.
O primeiro ônibus me ofereceu uma viagem agradável, mesmo não tendo lugar para sentar, o sol recém nascido ainda era inofensivo para utilitários de conduções lotadas como eu. De onde eu estava, podia apreciar um belo par de jovens seios, a dona do decote ouvia música distraída em seus fones de ouvido e seus lábios se mexiam levemente dublando a música. Não consegui reconhecer a música, mas me pareceu bem idiota, preferi voltar a me concentrar nos seios o resto do trajeto.
Eu não sabia onde era a parada do próximo ônibus que precisaria tomar, e pedi informação a uma funcionária, tentei ser agradável e usei palavras como “bom dia” e “por favor”, ela se limitou apenas a indicar o local com um movimento seco de cabeça. Resolvi que não ia gastar um “obrigado” com ela , apenas segui para a parada e esperei o próximo ônibus.
O segundo ônibus não demorou, o que me fez pensar que até poderia estar tendo um daqueles raros dias de sorte, talvez me deparasse com outro par de seios. Quando a porta se abriu, dezenas de pessoas que não estavam ali antes, foram surgindo misteriosamente, se aglomerando, se acotovelando e tomando a minha frente. Os bancos estavam sendo ocupados um a um, e eu pretendia viajar sentado dessa vez, para isso, precisava me impor. Me coloquei rapidamente a frente de uma senhora e acabei derrubando sua sacola de papel no processo, ao se abaixar para pega-la, ela acabou bloqueando todas as outras pessoas que entravam no coletivo. Dentro do ônibus, só me restaram dois lugares vazios e poucos segundos para decidir se a minha companhia para essa segunda viajem, seria ao lado de uma mãe com uma criança de colo ou com um gordo estranho e sujo que coçava a orelha de maneira despreocupada, . . optei pelo gordo, achei que seria mais fácil reagir contra ele em caso de um assalto, do que contra uma criança aos berros. Descobri que a gordura não era o pior dos defeitos do tipo estranho, seu cheiro era terrível e temi que pudesse impregnar minhas roupas, me arrependi da minha escolha e olhei pra trás a procura da minha ignorada primeira opção a tempo de ver a senhora da bolsa de papel sentar ao lado da mãe com a criança de colo. Pelo jeito eu já tinha gasto toda a minha sorte do dia com os peitos do primeiro ônibus.
Fui pontual, e Deus sabe como isso é difícil pra mim. Na recepção da empresa perguntei pelo Senhor Juarez, ele deveria estar me esperando como combinado, na hora marcada, mas com um movimento seco de cabeça uma funcionária me avisou que ele não estava, dessa vez agradeci e me recostei em um muro para esperar. O sol começou a esquentar e me incomodar, tirei minha pequena agenda da mochila e comecei a escrever “ Eu acordei na hora marcada, o despertador funcionou,. .infelizmente. Me levantei…”