Eu matei à toa…

POSTADO POR: admin qui, 17 de abril de 2014

O conto abaixo é de autoria do nosso leitor Carlos Belarmino e nos foi enviado por e-mail com um pequeno adendo explicando que originalmente a história foi escrita para participar de um concurso, mas que infelizmente não alcançou seu objetivo. 
E é justamente por ter sido rejeitada em outros lugares mais honrosos, que achamos perfeita para postar aqui no DpM.

Eu só conseguia sentir o cano da arma encostando
minha cabeça, não queria expressar nenhum sinal de medo, mas não pude evitar o
suor na testa e meu coração acelerado.
Ele me mandou sair do carro. Acho que não foi uma boa
ideia aceitar buscar minha irmã a essa hora, sempre foi uma ingrata comigo.
Enquanto estou prestes a morrer, ela deve estar tomando um sex on the beach e
sendo queixada por algum playboyzinho de balada. O mundo não é justo.
Ficamos cara a cara, ele tinha um olhar vazio,
parecia que tinha acabado de afogar um recém-nascido e não ter sentido remorso,
não sei explicar direito, era perturbador. Tenho certeza que não teria
problemas para dormir se decidisse me matar.
O homem começou a me revistar, eu nunca fui crente,
mas acreditava em punição divina, será isso um pagamento por não ter ido à
igreja aos domingos? Provavelmente não, acho que Deus iria querer algo mais
dramático, como rãs ou sangue nas águas, e não um cara armado com um olhar
psicótico.
Depois dessa vistoria, o homem puxou a carteira do
meu bolso. Por um momento, eu fiquei aliviado, aquilo passou a parecer mais um
assalto do que homicídio, porém essa sensação logo se esvaiu quando ele a jogou
com os cento e cinquenta reais para longe, mas o pior foi que manteve em suas
mãos a minha RG. O bastardo só queria saber o meu nome, ele não deve fazer
vítimas sem saber como chama-las na hora da carnificina.
Voltou seu olhar para mim, com a arma apontando minha
cabeça, essa devia ser a minha hora. Eu não mereço morrer, tinha acabado de
fazer dezoito, bebi muito pouco, transei menos ainda, ainda tenho toda a vida
pela frente, mas não tinha o que fazer. Eu já sentia a arma encostando em minha
face de novo e tenho certeza que não adiantaria implorar. Tinha sacado o tipo
desse cara, não era de ter piedade, só o que me restava era fechar os olhos e
torcer para que toda aquela punheta na adolescência não me faça ganhar uma
passagem para o inferno.
Eu esperei e nada aconteceu, devem ter se passado
dois minutos que estávamos naquela posição, eu não tinha coragem de levantar as
pálpebras e, logo depois de voltar com meus pensamentos, ouço uma risada um
tanto quanto sádica:
– HAEHUAHAEUHEUA, eu finalmente encontrei alguém à
altura de me matar!
Depois disso não pude resistir, eu necessitava falar
com ele:
– Te matar? Você quer que eu te mate?
– Sim, você passou no meu teste de aceitar o que está
por vir. Parabéns, Leandro.
Nesse momento, eu jurava que estava num sonho e que,
a qualquer instante, iria acordar. Mas, para o meu azar, tudo aquilo era a
realidade.
– E se eu não quiser te matar?
– Então eu te mato independente de qualquer teste que
você tenha passado.
Desgraçado. Eu não sei como eu me olharia no espelho
por ter matado uma pessoa, mesmo se tratando de um louco assassino. Mas acho
que prefiro matar a morrer. Vou tentar descobrir uma justificativa para tudo
isso.
– Antes de te executar, eu preciso saber, para quê
você está fazendo isso? Tenho certeza que não é pela esperança de encontrar um
lugar melhor ou pela falta de amor em sua vida.
– E por que acha isso?
– Pelo seu olhar, ele é sem emoção, sem culpa, sem
felicidade, sem nada.
– Eu sabia que quem me matasse seria esperto. Sim, eu
me privei de sentimentos para sobreviver a este mundo, mas agora estou cansado,
drogas e sexo já não me satisfazem. Quero morrer e pagar por tudo que fiz.

Quais devem ter sido as chances disso acontecer? De a
minha irmã me ligar no exato momento em que ele dobra para chegar a minha rua,
procurando sua próxima vítima para seu teste sem noção. Estou começando a
duvidar se isso foi o não foi um castigo divino.
– E então? Vai me matar ou vai ficar aí parado?
Estou sem saída, não tenho opção a não ser matá-lo e
encarar seu corpo ensanguentado pelo chão, a não ser que:
– Como pretende que eu te mate?
– Com minha arma, com que mais seria?
Isso! Eu posso fugir se estiver sobre o controle do
revólver, ele não pode me impedir.
– Você é muito astuto não é, Leandro? Acha mesmo que
eu seria burro o suficiente para não pensar que meu matador poderia fugir com
minha arma? Eu me privei de sentimentos e não de inteligência. Por isso eu
trouxe outro revólver, ele está na parte superior da minha bermuda, e, se eu
tiver que pegá-lo, pode ter certeza que é para te mandar dessa para uma melhor.
Tô fodido.
– Agora me diga, você já atirou antes?
– Não, essa será minha primeira vez.
– Então o tiro vai ser à queima-roupa, não quero ver
erros ou chamar a atenção de algum morador, ainda estamos no meio da rua.
Odeio este país, devo estar aqui a mais de vinte
minutos e não apareceu uma alma viva para me tirar dessa enrascada, mas, vendo
por outro lado, o carnaval vai ser daqui a duas semanas, vale a pena não ter
segurança para ter uma festa que dura quatro dias.
– Tudo bem, eu não tenho escolha mesmo.
– Ótimo, aqui está a arma, você tem dez minutos.
– Posso saber o nome de quem eu estou prestes a
assassinar?
– Não, isso não é relevante.
Ótimo, agora eu tenho que matar um homem cujo nome
nem tenho direito de saber… patético.

Comecei a analisar o revólver, era mais pesada do que
eu pensava, imagino quantas pessoas tiverem sua última visão com essa arma,
devia ser um número incalculável.
Parece que nós voltamos para o começo, com aquela
velha troca de olhares, mas tinha uma coisa diferente, seu rosto não estava com
um aspecto vazio dessa vez, era possível ver um sorriso formado em seus lábios,
pelo menos eu sabia que iria matar um homem que sorri para morte.
Comecei a me aproximar, estava na hora de por um fim
nisso, relembrei-me de horas atrás quando estava matando pedestres no GTA V,
era tão fácil e divertido no jogo, por que não podia ser assim na vida real?
Ah, lembrei, eu ainda não era um maníaco que tinha prazer em ver sangue jorrar
do corpo de suas vítimas, uma pena.
– Já se passaram cinco minutos, está na hora,
Leandro.
Agora era eu que estava encostando a arma em sua
face, e ele no lugar da vítima. Mesmo assim, meu coração acelerou como se
estivesse dando meu primeiro beijo. Por um momento, achei que ia ter uma parada
cardíaca, teria dado graças se tivesse tido, mas não tive, eu ainda precisava
mata-lo. A vida não era como um episódio de House.
Antes de assassiná-lo, resolvi parar para olhar em
volta, estava tudo escuro, e tinha um silencio devastador, como se o mundo
tivesse esquecido aquela área por um momento, o momento da morte desse
miserável.
Fechei meus olhos, estava pronto para tirar-lhe sua
vida.
– Alguma última palavra?
– Se eu pudesse mudar alguma coisa, não mudaria.
Bang! Agora aquela parte do mundo só ouvia esse som.
O som que tirava a vida de uma pessoa.
Criei coragem para abrir meus olhos. O tiro foi bem
no coração, e aquela imagem iria ficar na minha cabeça para sempre, mas eu
sabia que tinha que fazer uma coisa antes de sair dali, tinha que procurar seu
nome. Depois de um tempo examinando seu corpo, percebi que ele estava sem a sua
identidade e que não portava nenhuma segunda arma consigo. Eu matei à toa.

*Dito pelo Carlos Belarmino
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