A entidade etílica Amyr Klink

POSTADO POR: admin ter, 15 de novembro de 2011

Ele era um cara
normal. Normal, normal, normal! Nem bonito, nem feio, nem alto, nem baixo, nem
gordo, nem magro, nem inteligente, nem burro. Jogava futebol, ouvia rock,
contava piadas muito bem e gostava de beber, pra ser exato, sentia uma
necessidade incontrolável de beber? E algo muito estranho acontecia quando ele
bebia em demasia, ele sofria de perda da memória recente.
-Amnésia
Anterógrada causada pelo álcool, é extremamente rara. Mas fique tranqüilo, o seu
quadro é estável. O que pior pode lhe acontecer é esquecer o que aconteceu
durante uma bebedeira, e de certa forma isso acontece com todos nós.
– foi o que
disse o médico.
Ele relaxou e
seguiu sua vida sem maiores problemas até o dia em que acordou num motel com
uma mulher que ele nunca tinha visto antes. Primeiro  entrou em pânico,
depois deu um sorrisinho e ficou feliz da vida, tudo levava a crer que
finalmente tinha comido alguém. Mas porra, como fora parar ali? Ficou sentado
na bacia fazendo força pra conseguir lembrar o que havia acontecido, o máximo
que conseguiu se lembrar foi de estar bebendo num boteco que ficava ao lado do
seu trabalho no final da tarde e…só. 
Só se lembrava disso. 
Pagou o motel, se
despediu da mulher dizendo que iria ligar e correu pra casa.  Ficou
preocupado, tentou parar de beber. Quando alguém lhe perguntava por que não
estava bebendo, contava o ocorrido. Algumas pessoas entendiam que ficar sóbrio
era uma decisão razoável, outras riam, achavam que não era nada demais.
Ficou sóbrio por
duas semanas, as duas piores semanas de sua vida. Em um sábado, logo depois duma
pelada debaixo de um sol de rachar, sucumbiu à voz interior que o mandava beber a
cerveja mais gelada que pudesse achar. Bebeu muito mais que uma e
acordou-se em um banco de praça a quatorze quilômetros de distancia do barzinho
de onde bebericou a primeira cerveja. Ficou desesperado. Tentou parar de beber mais
uma vez. Teve uma estranha crise de abstinência, suava frio, ouvia vozes que o
mandavam beber. Procurou um psicólogo que disse que parar de beber era um
processo longo e gradativo, parar de uma hora pra outra não era o caminho. 
Ele
tentou beber menos, beber com o pé no freio e da pior forma possível descobriu
que o freio estava quebrado. Foi acordado por um cobrador de ônibus vinte
quilômetros de distancia de sua casa. A cena se repetiu mais algumas vezes. Os
amigos brincavam, inventaram um tipo de bolão. Quem acertasse onde ele acordaria na manha seguinte, ganhava o dinheiro? Ninguém ganhava, era
simplesmente imprevisível. Com o passar do tempo o “ele bêbo” foi
ficando mais astucioso, a cada aparição ia para um lugar mais inusitado, mais
longe. Seus amigos começaram a chamar o ‘ele bêbo’ de Amyr Klink, o
bêbo que ia onde nenhum bêbo jamais esteve.
Não se sabe ao
certo como isso aconteceu, mas em algum momento o Amyr Klink
descobriu a senha do cartão de créditos dele. Um novo horizonte se abrira.
Certa vez acordou dentro de um navio que rumava para Amsterdã, Holanda.O que o danado
iria fazer na Holanda? Teve que pedir dinheiro emprestado pra comprar a passagem
de volta. 
Definitivamente, ele tinha que por um fim a aquilo. Tentou o AA, mas
não conseguiu passar do oitavo passo, aquele que diz “Fizemos uma relação
de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os
danos a elas causados”.
 Simplesmente não tinha a mínima idéia de quem tinha
prejudicado e os danos que causara. Tentou ser membro da igreja evangélica, foi
expulso, até hoje não se lembra a razão. Visitou um curandeiro, bebeu chá
milagroso, fez macumba, ouviu a bíblia narrada por Cid Moreira com um copo
d’água em cima da radiola. Nada funcionou. Amyr ainda estava lá, esperando um
gole da próxima bebida para assumir o poder.
O tempo foi
passando, ele teve princípio de cirrose e justo quando o fim parecia próximo, Amyr Klink decidiu entrar em uma agencia de viagens e comprar um pacote pra
Austrália, com direito a uma excursão de ônibus ao interior inóspito daquela
nação gigante. Quando acordou e viu a passagem em cima da mesa com o folheto
da agencia, ficou irritado pelo preço cobrado, mas depois de uns vinte minutos
de raiva lembrou-se que sempre sonhou em ver a Pedra Ayers. Seria uma coisa
legal pra se fazer antes de morrer. Ele embarcou no avião e alguns dias depois
estava bem no meio da Austrália selvagem. Lá conheceu uma tribo aborígene, a
mesma que ajudou Bruce Banner à controlar o Hulk, que não se negou em ajudá-lo
a controlar o Amyr Klink. Foram meses de um intenso treinamento espiritual com um xamã que consistiu no uso
controlado de mescalina, droga que incita visões reveladoras,  tudo para alcançar o total autocontrole das emoções.
Finalmente Amyr
Klink
estava confinado. Nunca mais ele acordou em lugares estranhos e sua
cirrose é só uma triste lembrança do passado. Mas já ouvi falar que todas
sextas à noite ele sente uma tremedeira, começa a suar frio e escuta uma voz
dizer bem baixinho no seu ouvido “me deixa sair”.