Encerrando com um Grand Finale

POSTADO POR: admin ter, 14 de abril de 2015

Ele me olhava e ria. É assim que sempre começa, ou quase sempre. E eu não sabia o que fazer. Porque prioritariamente, rir de volta estava fora de questão.
Acabou que fiz o de sempre, fechei a cara. E mesmo assim, ele não tirava seus olhos de cima das minhas fuças e escancarava seus dentes com espontaneidade à medida que gargalhava.
“Esse cara me parece louco o bastante pra ser feliz”, pensei. Só que eu não queria papo com ninguém. Sou um sujeito excêntrico. Quando fico em casa, é porque quero beber sozinho. E quando vou ao bar, é porque quero beber sozinho fora de casa, entende? Então preguei meus olhos naquela gaiola que girava os cadáveres de frango como quem estava muito interessado neles.
“O que você sabe fazer?”, perguntou enquanto olhava diretamente em minhas fuças e ignorava minha atitude.
Fiz de conta que não havia escutado e mantive meus olhos concentrados entre os cadáveres de frango que eram assados com as polentas e não respondi.
“Eu sou um cara de valor, sabia?”, disse, e riu no tempo em que olhava pras minhas fuças de poucos amigos.
“Não vai ter jeito”, pensei, e devolvi a pergunta, “E o que você sabe fazer?”.
Ele não disse nada, mas continuou a rir e passou a andar em direção da minha mesa ao momento em que escancarava seus dentes podres e exalava o verdadeiro cheiro de sua alma.
Assim que sentou bolou uma expressão de sentinela e passou a olhar o teto do bar como quem procurava algo em meio às teias de aranha lá no alto, eu não conseguia sacar o que ele pretendia.
E quando eu menos esperava, num movimento muito rápido, moveu seu braço pelo ar e trouxe sua mão pra perto do seu próprio peito e disse, “Você consegue?”, e abriu seus dedos lentamente e deixou que uma mosca-varejeira transformasse a palma de sua mão em uma pista pra decolagem e voasse.
Eu tinha de ser rápido. “Já sei”, pensei, e sorri.
Então ele me devolveu um sorriso mais fedido e menos sem graça que o meu e disse, “Agora preciso ir, eu trabalho no circo e logo tenho de me apresentar pra uma multidão. O meu show é o das quatro”, e de um gole só matou um copo enorme que estava cheio de uma bebida escura que parecia Coca-Cola e que cheirava como cachaça, provavelmente era um pé-sujo, e saiu sem nada dizer.
Durante alguns instantes fiquei mirando o seu andar cambaleante e vi quando o tal desalmado de boca muito fedida e mãos rápidas caiu à sombra da marquise de um grande edifício que ficava do outro lado da rua.
Pensei com meus botões, “Sim, ele sabe fazer algumas coisas: ri como louco, pega moscas com as próprias mãos, bebe com potência e consegue cair como um bom bêbado”. Não posso dizer se ele realmente trabalha no circo, mas estou certo de que me interesso por um desalmado que sabe encerrar seu número.