Em busca de um covarde para incendiar

POSTADO POR: admin qua, 18 de dezembro de 2013

Viajava entre Skay e Longe.
Eu arrepiava a via 99. Não sei contar ao certo como foi. A impressão que guardo
comigo, é que ultrapassei uma película invisível e só, de um lado estavam os
vivos, e do outro estavam os mortos.
Acordei com a moto no chão,
ainda funcionando. Foi quando pude ver o meu corpo estirado. Havia uma mulher
histérica ao telefone e um Cupê fora da estrada, todo lanhado na porta do
motorista. Contudo, não havia um arranhão sequer na moto e em mim também não.
Eu me lembro de ir até ela,
preocupado com o horário. Não podia me atrasar para o casamento da minha filha,
eu não me perdoaria, mas também não queria deixar aquela senhora naquele estado
tão nervoso.
Argumentei várias vezes e não
demorei muito para perceber que não me via e não me ouvia. Aí eu comecei a me
preocupar, mas como não tinha certeza de nada ainda, fui até a moto e me
mandei.
Pelo caminho pensei: foi
incrível, olhar para trás e ver um corpo como o meu e uma moto como a minha.
Será que posso fumar? Grudei no freio e parei no acostamento. Passei a mão no
maço e quando me dei conta de que sim, mesmo com a moto parada, senti como se
ainda voasse pela estrada.
Eu não ligava para a minha
morte, mas para o cigarro sim, eu realmente sou viciado nessa porra, e baforava
como quem se vingava do ministério da saúde e de sua advertência: fumar causa
enfisema pulmonar. Todo mundo que fuma espera por uma chance assim.
Olhei no relógio. Eu tinha
uma hora e cinquenta minutos para percorrer cento e trinta quilômetros e
impedir a maior merda do mundo. Não me restava alternativa, além de acelerar.
Cheguei à cidade de Punk uns
quinze ou vinte minutos antes da hora e fui direto para a igreja. Os
almofadinhas já lotavam a catedral. Parei na porta e procurei avistar o noivo.
Enquanto isso, o meu estômago embrulhava por conta daquele cheiro de perfume
doce.
Não demorou muito para que eu
encontrasse o maldito no altar. Voltei até a moto e abri o tanque. Senti aquele
cheiro forte. Usei uma garrafa de cerveja para guardar a gasolina e com a minha
bandana, terminei de fazer o coquetel molotov.
Tomei o caminho de encontro
ao FDP do noivo. Acendi e joguei. Deu um estouro. Em poucos segundos, o fogo já
tomava conta de todo o altar. Virou uma gritaria e uma correria, ninguém entendia
o que estava acontecendo. O covarde terminou torrado como um pedaço de osso.
Ele merecia. Não posso negar que ver todo aquele caos me fez muito bem, exceto
pela parte em que notei a minha filha chorando na porta da igreja.
Sara, a mãe dela, nunca valeu
nada. É viciada em heroína e não cuida nem mesmo da própria vida, ela jamais
ligou para a nossa filha. E mesmo sendo um motoqueiro casca-grossa, eu fiz o
papel de mãe e pai, do meu jeito, mas fiz.
Você deve estar se
perguntando: por que esse cara fez tudo isso? Eu explico: o que você faria se a
sua filha estivesse prestes a se casar com um covarde que bate nela? Se eu
houvesse descoberto antes, já teria me livrado desse merda. Mas a Sara, bem,
ela nunca me disse nada. Como eu falei: ela nunca cuidou nem dela mesma.
Foi muito difícil para a
minha filha superar o trauma do incêndio e tal, mas ela conseguiu, deu a volta
por cima e ficará bem.
Sara está internada em uma
clínica para viciados psicóticos. Nunca mais sairá de lá. A heroína cobra um
preço caro do seu usuário. É como carcomer seu cérebro e sua alma.
A senhora do cupê bateu as
botas recentemente, tive a chance de falar com ela e acertar tudo. Não queria
vê-la com peso na consciência. Seu nome é Dick, trabalhava como costureira e
bebia muito, a cirrose a pegou.
Você deve estar se
perguntando: o que eu faço em minha vida de morto, não é mesmo? Eu fumo e ando
por aí, curtindo a minha moto, mergulhando no horizonte sem fim, em busca de
covardes e FDP para incendiar.
O próximo da lista é o noivo
da filha da senhora Dick. Esse merda não perde por esperar.