Como nossos pais, nunca mais!

POSTADO POR: admin ter, 23 de abril de 2013

Nas primeiras fases de nossas vidas, crescemos praticamente tendo
apenas os pais como referência e base para o nosso desenvolvimento social.
Durante um bom tempo aquela dupla será o seu exemplo e modelo de formação, praticamente
inquestionáveis do alto de uma sabedoria ancestral,… Até que um deles diga
alguma besteira em nível primário, onde você pacificamente tentará argumentar,
e em contra resposta será esmagado pelo poder de imposição da hierarquia
familiar que abortará a discussão antes mesmo que ela ocorra.
É aí que ocorre um súbito rompimento, um momento de iluminação, e você
percebe que o mundo mudou de mãos, e infelizmente seus pais não estão mais aptos
para lidar com as décadas seguintes. A relação entre vocês nunca mais será a
mesma. Aquela pessoa que tanto te enriqueceu com sua experiência de vida, está obsoleta
e não tem mais nada, ou muito pouco, para te ensinar dali por diante. 
A
situação fica ainda mais triste quando vemos que apesar de toda a sabedoria de
vida adquirida pelos nossos progenitores, poucos chegam a aprender a humildade
necessária para aceitar essa nova posição social. E tentam esbravejar e gritar com
o mundo (ou só nas suas orelhas), como se aos berros pudessem impedir a
evolução que não conseguem acompanhar.
Comigo as coisas são sempre mais complicadas, e é com uma ponta de
vergonha que tenho que admitir que o ‘impróprio’ programa BBB foi o gatilho que
me revelou essa circunstância. Eu nunca questionei o fato da minha mãe assistir ao programa, acho até
que ela é o típico público alvo, mas no dia em que presenciei meu pai dialogando
sobre o assunto feito uma lavadeira, aquilo me chocou profundamente. 
Era basicamente
um papo inofensivo, que só se intensificava mesmo quando entrava na questão de quem deveria sair no próximo paredão. 
Enquanto os presentes apontavam suas preferências e motivos do porque
esse ou aquele emparedado deveria sair do programa, eu só conseguia observar e
imaginar o quanto de energia estava sendo desperdiçada naquele ambiente.
Mas tudo bem, relevei, assim como peço encarecidamente que todos os
leitores desse texto relevem tal atitude do meu pai. Ele é um homem anacrônico e de
pouco estudo, com uma vida sacrificada, que escolheu viver isolado em uma
cidadezinha do interior do Acre e assustado com todo o progresso ao seu redor. E
talvez o BBB fosse mesmo uma tentativa débil dele se integrar com o mundo
exterior.
Enfim, com aquilo em mente, não me aguentei e na primeira oportunidade
que tive de ficar sozinho com o meu coroa, procurei entender um pouco mais
daquela nomenclatura.
– Pai, você gosta mesmo desse tal de BBB?
– Não é que eu goste, mas como a sua madrasta assiste no quarto, eu
acabo assistindo de tabela também. Melhor assistir do que arranjar briga com
mulher por causa de televisão. Até porque a outra opção é assistir o canal que quiser
no sofá da sala, e correr o risco de acabar dormindo por lá.
– Até aí eu entendi, mas você se preocupa mesmo com quem sai do
programa? Mesmo sabendo que aquele resultado é uma fraude?
– Como assim uma fraude?
– Poxa, estamos falando da rede Globo não é? A mesma emissora que sabemos
que exibe matérias tendenciosas, comete censuras, e claro, manipula resultados.
É nítido que a saída ou não de alguém é uma decisão da direção, conforme a
popularidade e audiência do programa.
– Que isso rapaz? Deixa de falar MERDA! Você acha que a Globo
colocaria sua credibilidade em cheque dessa forma? De onde você tirou uma
estupidez destas? Você está sendo um IMBECIL questionando uma empresa com a
magnitude da Rede Globo.


Como ele saiu de casa quando eu ainda era um bebê e não participou nem de
longe da minha criação, naquele momento tudo que eu mais queria era ter a
oportunidade de esclarecer ao meu pai, que eu questiono a Globo desde a minha
adolescência, na verdade, desde que me entendo como gente,… E não o BBB, mas
o Jornal Nacional! E se ele, já passando dos 60, ainda depositava tanta confiança
‘em uma empresa da magnitude da Rede Globo’
, deveria ter prestado um pouco mais
de atenção nas matérias que o Fantástico exibia nos anos 80 sobre os problemas
que passam os ‘filhos de pais separados’. 
Mas suas palavras haviam sido tão
incisivas ao me alertar que ‘contra pais fatos, não há argumento’, que preferi
me reter ao silêncio e me recolher aos meus aposentos.
E foi na noite deste mesmo dia (agora percebo que era um dia de domingo),
que a própria Rede Globo, justamente através do Fantástico, acabou redimindo
minhas palavras,… Até aquelas que não foram ditas. 
Em uma incrível coincidência,
o programa apresentou uma matéria, manipulada e tendenciosa, em que aquela
região do Acre onde meu pai residia (e eu estava de visita naquele momento), era
descrita com dezenas de inverdades absurdas. Uma polêmica que alarmou os
habitantes do estado, mas que passou despercebida para o resto do país.
No dia seguinte não se falava em outra coisa na pequena cidade, todos
horrorizados com a edição criminosa feita pela emissora que durante a gravação
da matéria teve sua equipe muito bem recebida e devidamente apresentada a todas
as belezas e pontos positivos do lugar, mas por interesses escusos, exibiram algo
bem diferente da realidade. O Acre é assim, nunca aparece na mídia nacional, e
quando aparece, é sempre pelos motivos errados.
E foi aí, durante o café da manhã, que tive a surpresa de ouvir meu pai dando o braço a
torcer e dizer.
-É, agora eu acredito no que você comentou ontem sobre a Globo. Talvez
você esteja certo.
Com essa declaração recuperei um pouco de fé na humanidade, mas a
linha que cruzamos nesse dia nunca mais será reatada.
Um dia também vou ser pai, espero que bem melhor do que o que eu
tive (ou não tive). E quando passar a minha vez, quando passar a minha geração,
e chegar a hora da minha criatura superar esse criador que vos escreve, espero
sinceramente que eu perceba o momento antes do meu filho , para futuramente não virar
piada entre os sobrinhos.