Coletivos que eu não preciso

POSTADO POR: admin ter, 04 de setembro de 2012

Tudo bem, eu entendo que não sou um escritor muito hábil com as palavras. Nem sei se eu posso me auto-proclamar ‘escritor’, mas vamos deixar essa questão pra uma crônica futura. Sinceramente, essa minha “limitação” não me incomoda. 
Afinal, meus escritores favoritos não possuiam extensos vocabulários e odiavam orações cheias de pra-que-isso. Pra se fazer entender não é preciso de muita frescura, basta ser claro. Falo isso com a mais pura convicção, mas como sei que minha convicção pouco importa para a maioria de vocês vou abrir aspas para um dos maiores escritores do país, Luís Fernando Veríssimo, “A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo mas é claro, certo?”.

Pra mim, escrever é como jogar bola, você deve fazer o que sabe e vez ou outra -quando se sentir seguro – tentar uma jogada mais ousada. Aproveitando essa comparação sebosa vou me definir como um jogador de meio de campo não muito habilidoso, um volante quebrador, aquele tipo de jogador que tá lá para dar lapada, roubar a bola e tocar pra o companheiro do lado. Ocasionalmente tento um lançamento de trinta, quarenta metros, mas jogar fácil é o meu lema. Talvez eu não tenha treinado duro o bastante nas categorias de base, talvez não prestei muita atenção nos ensinamentos dos professores ou talvez eles não me ensinaram as coisas certas. Olhando direitinho, eu tenho quase certeza que esse foi o problema, eles não me ensinaram as coisas que eu precisava aprender. Tanta coisa legal pra eu conhecer e eles gastaram meses e meses me fazendo aprender como dar nome a compostos químicos e decorar substantivos coletivos idiotas.
Eu juro que eu nunca utilizei as coletivos que eles me ensinaram. Nunca! De que me serve saber que o coletivo de camelo é cáfila se eu nunca vou ver mais de um camelo? 
Esses substantivos são muito zoados
Aposto que você na maior inocência acredita que o coletivo de gente (pessoas mesmo) é galera ou rapaziada ou negada ou algo assim… não é. O coletivo de gente é ‘chusma’! Quem é que fala chusma? E um grupo de malfeitores? Você pensa que é gangue, torcida organizada, patota, mas o coletivo de malfeitores é ‘malta’. Sacanagem! Perdemos meses de nossas vidas tentando decorar essas coisas e ainda assim não sabemos de quase nada. Puro desperdício de tempo.
Poderia listar dezenas de exemplos perturbadores, mas este texto ficaria longo demais. Vou chamar atenção para apenas mais um coletivo que eu considero o mais perigoso de todos, o coletivo de porcos que é ‘vara’. É muito fácil ser mal interpretado ao se utilizar uma palavra como esta.
Exposta minha revolta com tempo que desperdiçamos tentando decorar estas merdas, quero propor algo que acredito ser capaz de poupar as próximas gerações do sofrimento e frustração que tivemos que enfrentar. Proponho a utilização do que eu chamo de ‘substantivo coletivo universal’. Uma palavra simples que serve de coletivo para qualquer coisa que você possa imaginar. Tudo. De chaves até porcos. 
Recomendo que a palavra escolhida seja ‘tuia’, gosto da forma que ela soa. “Uma tuia de camelos surge em meio as dunas”, “nunca vi este salão tão cheio, que tuia de gente da porra!”, “segura a bolsa, tem uma tuia de malfeitores vindo em nossa direção”. E o mais importante, é bem menos estranho você falar “há uma tuia de porcos se aproximando de mim”  do que “há uma vara de porcos se aproximando de mim”.
Mas eu não paro por aí! Além do ‘substantivo coletivo universal’, proponho a criação do ‘substantivo coletivo universal de grau dois’ que nada mais é do que o coletivo do coletivo. Uma tuia de uma tuia. Cem pessoas podem formar uma tuia de gente, certo? E o que dizer que 70 mil pessoas num estádio de futebol? Isso nada mais é que uma tuia de tuia de gente. Sugiro também que designemos uma palavra que esconda esta cacofonia ‘tuia de tuia’. Uma palavra que ao ser proferida transmita a violência da quantidade em questão. Recomendo que esta palavra seja ‘caraiada’. Pode parecer uma palavra pesada, mas não é. 
Certamente você pensaria “é gente pra caralho” ao ver 70 mil pessoal. É uma expressão natural e intuitiva. Já até imagino as próximas gerações tirando proveito das minhas inovações linguísticas. “eu começei com uma dívida aqui, outra alí… depois de um tempo já devia pra uma tuia de gente. Hoje eu já perdi as contas, tem uma caraiada de dívida em meu nome”. Os professores de Português fariam bem mais sucesso nas escolas. E talvez as crianças do futuro agradeceriam ao grande linguista que começou com a batalha por uma português mais prático.