Coisas que um carioca nunca vai entender em SP (parte 3)

POSTADO POR: admin ter, 04 de junho de 2013

Eu já completei dois anos residindo na terra da garoa e acho incrível como ainda sou surpreendido pela grande diferença cultural entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Parece que a cada bimestre que passo por aqui descubro uma nova liturgia paulistana a qual preciso me adaptar. Algumas coisas são bem simples, como por exemplo ‘São Paulo e sua escatologia de Rua’, mas outras são tão complexas que chegam a interferir drasticamente na rotina de um carioca que escolheu morar em Sampa.
Então, em uma tentativa de compreender a origem, razão, ou motivo de certos protocolos sociais dos paulistanos, estou aqui listando as coisas que com o tempo descubro, aprendo, mas não entendo, em SP.
Vamos ao item 3 desta lista…
3- A Carência Policial Paulistana
Apesar de todas as notícias populares sobre a violência dessa que é a maior cidade do país, confesso que me sinto muito seguro quando caminho pelas ruas de São Paulo. Não que eu confie na segurança pública do estado, ou que a capital não tenha altos índices de criminalidade, mas simplesmente pelo fato de Sampa ser uma cidade tão abundantemente diversificada, que eu acho muito pouco provável que um meliante venha assaltar logo a mim, tendo tanta gente chamando mais atenção que eu ao meu redor.
Entendam,… Antes de tentar arrancar alguma merreca desse cara mal encarado, de barba por fazer, e com pose de fracassado que carrego, é lógico que um assaltante de bom senso vai preferir primeiro arriscar com aqueles boys brincando com IPhones na entrada do metrô, aquele cara de terno ostentando um relógio enorme, a senhora indefesa que conta dinheiro distraída, o casal gay trajando roupas de marcas caras, e dúzias de outros alvos mais vistosos do que esse que vos escreve. A bandidagem paulistana é extremamente seletiva, e em São Paulo o que não falta são opções. Aqui é muito fácil identificar quem tem dinheiro e quem não tem. Bom,… Tem aqueles que não tem, mas gostam de aparentar que tem também, esses sempre terminam com os objetos roubados e parcelas pra pagar.
Uma situação corriqueira de qualquer cidade grande, mas que no Rio de Janeiro, já ocorreria de forma bem diferente. Como lá, todo mundo, independente de classe social, está sempre trajando camiseta, bermuda, e chinelos mesmo, o ladrão tem que contar com a sorte para conseguir abordar alguém que de fato tenha dinheiro no bolso.
Talvez por isso exista uma certa cultura paulistana de que a polícia militar sempre está disposta a atender qualquer tipo de chamado, por mais insignificante, ou excêntrico, que ele possa parecer.
Demorei pra entender que por aqui as pessoas perdem a mãe, mas não perdem a mania de gritar por alguém ‘superior’ para resolver seus próprios problemas. É impressionante como em qualquer desentendimento social paulistano, por mais banal que seja, não demora muito e logo se ouve alguém gritar: ‘Vou chamar a polícia, meu!’. E aí, sem necessidade nenhuma, é deslocada uma viatura (as vezes até duas) de sirene ligada só para atender aquele chamado estúpido, que certamente poderia ter sido resolvido sem a necessidade daquele teatro todo.
Aliás, como carioca, eu não sei o que me assusta mais em São Paulo,… O fato das pessoas convocarem a polícia por qualquer coisinha boba, ou o fato dos policiais realmente atenderem essas solicitações.

Enfim, todo esse caso que citei acima pode ser facilmente assistido e elucidado em cenas apresentadas no programa ‘Polícia 24 horas‘ da BAND. Mas o que quero narrar aqui, é uma experiência pessoal.
Mal havia completado um mês que eu começava a morar em meu apartamento recém alugado na região central de São Paulo, quando em uma bela manhã, ao descer para comprar o tradicional pão matinal, me deparo com uma aglomeração na portaria composta por uma moradora idosa, o síndico, o porteiro, o zelador do prédio, e mais quatro policiais,…Todos com cara de bunda. 
Ao passar pelo grupo solto um genérico ‘bom dia’ que foi respondido de forma desanimada por todos.
Já fora do prédio, fiz o que qualquer carioca sensato faria em SP, me desesperei. Duas viaturas na porta da minha casa!! Caralho!!! Que loucura!!!! Será morte? Sequestro?? Assassinato???? Ou um daqueles arrastões de condomínio?! Só podia ser uma merda federal. Provavelmente eu teria que dar depoimento. E agora? 
Tomei café da manhã ali mesmo na padaria, e enrolei até que os ‘cana dura’ tivessem ido embora.

No retorno para casa, encontrei apenas o zelador na portaria.
-E aí, camarada?! O que rolou aqui?
-Carioca,… Você nem imagina a confusão que deu.
-Ah, eu imagino sim. Se foi necessário duas viaturas, é porque não foi pouca coisa. O que aconteceu afinal?
-Briga de morador.
-Briga entre moradores?
-Não! Briga de morador com o porteiro.
-Tá de sacanagem… Chamaram a polícia pra isso?
-Mas a coisa foi séria, carioca!
-Séria como? Teve mortos ou feridos? Alguém puxou uma faca, canivete, ou lixa de unha que seja? Rolou uma bofetada pelo menos?
-Não teve nada disso não, mas aquela senhora do 88 que tava aqui, disse algum coisa pro porteiro que ele não gostou.
-E aí ele chamou a polícia pra ela?
-Não. Ela que chamou a polícia pro rapaz porque ele respondeu mandando a velha ‘praquele’ lugar.
-Sim. E depois?
-Não tem depois. Foi só isso.
-Cara, no Rio, se alguém chama a polícia por um motivo destes, é capaz de rolar um abaixo assinado dos moradores pra tirar esse trouxa do prédio.

Porque isso nunca, jamais, em nenhuma hipótese, aconteceria no Rio de Janeiro…
Chamar a polícia no Rio é realmente o último recurso de qualquer carioca. Eu quero dizer, só mesmo em caso de morte, não de ameaça, mas sim do fato consumado. E é bom esperar até que o corpo comece a feder antes de ligar, só por garantia. Porque se acaso os nobres e ocupados policiais atenderem o seu chamado, e eu reforço aqui repetindo ‘SE atenderem seu chamado’, é bom ter certeza de que eles realmente não se deslocaram até ali por pouca coisa, ou você estará em maus lençóis.

Fora isso, qualquer outra coisa no Rio, se resolve lá na delegacia.
Nada de ficar chamando a policia até o local ou você pode ter sérios problemas com aquele seu vizinho que deve pensão alimentícia, com a jovenzinha do apartamento em frente que se prostitui a noite, com o rapaz do andar de baixo que fuma maconha, e até com o porteiro que tá entocado na cidade maravilhosa porque tá ‘pedido’ lá na Paraíba,… E corre o risco de ficar eternamente conhecido como uma ‘persona non grata’ no condomínio. 
O que seria o ‘Vou chamar a polícia, meu!’ em São Paulo, no Rio transforma-se em algo como ‘Então vamô todo mundo resolver isso lá delegacia, nem!’.


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