Clássicos da literatura que foram escritos na prisão

POSTADO POR: admin dom, 23 de agosto de 2015

Quando paramos para ponderar sobre os possíveis locais onde grandes autores escreveram a maioria dos nossos livros favoritos, sempre nos vem a mente algum quarto exótico no interior de uma casa vistosa ou até algum dormitório sujo de uma pensão barata, mas é difícil imaginar que algumas obras foram escritas de dentro de uma cela de prisão. 
Mas a verdade é que, sendo como um prisioneiro político ou como vítima de intolerância estadista, a solidão e a ‘falta do que fazer’ quando se ‘puxa’ uma cana braba, são ingredientes perfeitos para a produção de grandes obras literárias. E apesar de ser um lugar onde ninguém quer estar, não consigo imaginar forma melhor de aproveitar o seu tempo em uma cela do que escrevendo.

Foi por isso que analisamos alguns escritores que usaram suas penas de forma produtiva, e tiveram a perspicácia de criar grandes trabalhos literários enquanto encarcerados. Confira abaixo alguns desses clássicos que foram escritos na prisão.

✔ Dom Quixote, de Miguel de Cervantes
Quem diria que o maior modelo de arquétipo cavalheiresco da cultura pop foi parido em uma cela? Cervantes foi preso duas ou três vezes na vida, e no próprio prólogo de Don Quixote ele afirma que seu grande romance foi “gerado em uma prisão”.
Dom Quixote de La Mancha não tem outros inimigos além dos que povoam sua mente enlouquecida. Seu cavalo não é um alazão imponente, seu escudeiro é um simples camponês da vizinhança e ele próprio foi ordenado cavaleiro por um estalajadeiro. Para completar, o narrador da história afirma se tratar de um relato de segunda mão, escrito pelo historiador árabe Cide Hamete Benengeli, e que seu trabalho se resume a compilar informações. 
Não é preciso avançar muito na leitura para perceber que Dom Quixote é bem diferente das novelas de cavalaria tradicionais – um gênero muito cultuado na Espanha do início do século XVII, apesar de tratar de uma instituição que já não existia havia muito tempo. A história do fidalgo que perde o juízo e parte pelo país para lutar em nome da justiça contém elementos que iriam dar início à tradição do romance moderno – como o humor, as digressões e reflexões de toda ordem, a oralidade nas falas, a metalinguagem – e marcariam o fim da Idade Média na literatura.
Mas não foram apenas as inovações formais que garantiram a presença de Dom Quixote entre os grandes clássicos da literatura ocidental. Para milhões de pessoas que tiveram contato com a obra em suas mais diversas formas, o Cavaleiro da Triste Figura representa a capacidade de transformação do ser humano em busca de seus ideais, por mais obstinada, infrutífera e patética que essa luta possa parecer. (Editora Penguin)
✔ O Peregrino, de John Bunya
A obra de Bunyan narrando a viagem de um homem para uma cidade santa, foi escrito enquanto ele estava preso na prisão Bedford por 12 anos. Ele foi preso por se recusar a parar com suas pregações públicas. E que lugar melhor para alguém organizar as suas ideias do que em uma prisão? 
O peregrino é uma narrativa cheia de emoção e suspense. Bunyan relata a viagem de Cristão, um peregrino espiritualmente abatido que viaja rumo à Cidade Celestial. No decorrer da aventura, ele se encontra com personagens de carne e osso, mas que possuem nomes alegóricos, tais como Evangelista, Adulação, Malícia, Apoliom e Vigilância. Passa por lugares sombrios e medonhos, como o Desfiladeiro do Desespero, o Pântano da Desconfiança, a Feira das Vaidades e o Rio da Morte. Surge em cada encruzilhada um novo desafio que ameaça sua chegada ao destino final. O enredo mescla-se à interpretação simbólica, e o resultado é uma incrível experiência literária e espiritual.
O Peregrino é a maior obra de ficção na história do cristianismo. Para milhões de leitores, a história de Cristão serve como supremo modelo de perseverança em meio a dificuldades. (Editora Mundo Cristão)
✔ Fanny Hill: Memórias de uma Mulher de Prazer, de John Cleland
Pelo ano em que esteve confinado na cadeia por dívidas durante a década de 1740, Cleland compôs esta peculiar obra literária da pornografia que é cheia de sexo, mas com o devido cuidado de não usar palavras rudes. Talvez a intensidade com que suas cenas são narradas tenha algo a ver com a castidade forçada do autor.
Fanny Hill ou Memórias de uma mulher de prazer, considerado o primeiro romance erótico moderno, é também um dos grandes retratos da Europa do século XVIII. Em formato de cartas e narrado em primeira pessoa pela jovem Fanny Hill, o livro surpreende pela prosa sensual de Cleland e pelo estilo e elegância que o autor emprega ao contar as aventuras de iniciação sexual de uma jovem ” nem tão inocente assim” que, órfã aos quinze anos, vai para Londres tentar a vida e acaba se tornando uma requisitada cortesã. Antes da virgindade de Fanny ser posta à venda por uma cafetina, a jovem se apaixona por Charles, com quem foge. Passam a viver juntos, mas, inesperadamente, ele precisa deixar a cidade. Fanny passa, então, de menina insegura a cortesã de muitos amantes. Nesse ponto, o romance se torna inovador, já que Fanny, além de não mostrar arrependimento pelas suas ações, descreve com detalhes explícitos suas aventuras, conferindo à obra um caráter de ode ao prazer sexual. O livro, entretanto, demorou a ser reconhecido pela crítica, que somente nos últimos anos conferiu-lhe a devida importância. O texto, de luzes filosóficas revolucionárias, está atualmente ao lado de obras dos mais renomados autores ingleses, tais como Daniel Defoe e Henry Fielding.
A polêmica acompanha a obra desde o seu lançamento. Editado em dois volumes ” o primeiro, em novembro de 1748, e o outro, em fevereiro de 1749 ” Fanny Hill não agradou em nada à patrulha religiosa da época. Após o lançamento, Cleland, os editores e os impressores foram presos, acusados de obscenidade, e, posteriormente, em juramento, o escritor teve que abjurar o livro. A partir de então passaram a circular edições piratas muito concorridas, que só ajudaram a divulgar os escritos. Nos Estados Unidos, Fanny Hill estava banido até 1966. (Editora L&PM)
✔ Desobediência Civil e outras histórias, de Henry David Thoreau 
Em 1846 o escritor americano Henry David Thoreau foi preso por se recusar a pagar impostos de votação destinados a apoiar uma guerra contra o México. Embora ele só tenha passado uma noite na cadeia, a experiência traumatizou Thoreau de tal forma, que ele logo começou a trabalhar em seu famoso ensaio.
Uma das mais intrigantes personalidades do século XIX, Henry David Thoreau (1817-62) foi um homem de múltiplos interesses, mas era nas letras e na oratória que se manifestava sua verdadeira vocação: a de corajoso crítico do ideal americano de viver para o trabalho e para o consumo, o nascente American Way of Life. Um dos precursores do pensamento ecológico e da resistência pacífica, conquistou admiradores ilustres, como Tolstói, Martin Luther King e Mahatma Gandhi.
O alvo principal de suas análises era a formação da nação americana: calcado no sistema escravista e afeito às guerras, o país ia, aos poucos, aprofundando as bases políticas e sociais que, para Thoreau, eram contrárias justamente ao baluarte mais defendido: a liberdade individual. Opondo-se ao senso comum, que considera a obediência às leis e às normas sociais como súmula da moral, Thoreau defendia que o dever para com a própria consciência está acima do dever de um cidadão para com o Estado. (Editora Martin Claret)
✔ Conversas que tive comigo, de Nelson Mandela
Bem mais intimista que a sua autobiografia, Conversas que tive comigo’ é um grande trabalho narrando a vida de Mandela. O livro inclui cartas do seu diário pessoal que foi escrito durante os seus 27 anos de prisão. 
Nelson Mandela é um dos líderes políticos mais conhecidos e respeitados do mundo. A pessoa que leva esse nome é considerada um herói de seu tempo, uma das grandes figuras da História do século XX. Os quase trinta anos de prisão que passou junto com outros líderes de sua geração deram origem ao mito da criação da “nova África do Sul”. Sua vida foi apresentada em inúmeras publicações, de biografias a artigos em revistas, de filmes comerciais a documentários para TV, de livros em edições de luxo a suplementos de jornais, de canções de liberdade a poemas de louvor, de websites institucionais a blogs pessoais. Mas, quem ele realmente é? O que ele realmente pensa?
Conversas que tive comigo é a radiografia de um ícone que, aqui, se mostra uma pessoa comum, com suas inseguranças, temores, dúvidas e insatisfações. A obra oferece aos leitores acesso ao Nelson Mandela por trás da figura pública, a partir de seu arquivo pessoal, composto desde rascunhos de cartas e discursos a anotações pessoais, rabiscos feitos durante reuniões, notas em diário, relatos de sonhos e até registros de peso e pressão sanguínea e listas de afazeres.
Num relato direto e absolutamente pessoal, Mandela brinda o leitor com impressões, pensamentos e sentimentos que revelam o todo de um homem comum e, ao mesmo tempo, fascinante. (Editora Rocco)
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