Carta-resposta de Bukowski após ter um de seus livros censurado em uma biblioteca

POSTADO POR: admin sex, 07 de junho de 2013

Além de meu escritor favorito, citado diversas vezes aqui no blog, não seria errado afirmar que Charles Bukowski é praticamente um patrono do Dito pelo Maldito, e acredito que fonte maior de inspiração, não só minha, como de todos os colunistas e colaboradores deste blog. Seja como poeta, contista, ou cronista, o conhecido Velho Safado, sempre abusou de seu vocabulário obsceno para exaltar os perdedores e fracassados, classe a qual se incluía com veemência. 
O que não é muito diferente do que fazemos por aqui.
Hoje em dia, muito se questiona se escritores com esse tipo de estilo sobreviveriam em tempos de politicamente correto. Mas lá em 1985, a coisa não era tão diferente assim, tendo visto que, neste ano, a Biblioteca Pública de Nijimegen recebeu uma tempestuosa reclamação de um leitor a respeito da obra Fabulário Geral do Delírio Cotidiano, do velho Buk, que resultou na retirada de seus exemplares das prateleiras da biblioteca, sobre a acusação de ser ‘fascista’ e ‘discriminatória’.
Quando foi questionado pela mídia sobre a censura sofrida, o escritor , como não poderia ser diferente, respondeu com uma carta mal criada que hoje encontra-se emoldurada e pendurada em uma livraria itinerante chamada Open Ditch Bus que circula pelas ruas de uma cidade da Noruega.
Veja abaixo a imagem da carta de Bukowski, e mais abaixo ainda, a tradução com créditos da mesma.
“22-07-85
Caro Hans van der Broek:

Obrigado pela sua carta me contando que um de meus livros foi tirado da livraria de Nijimegen. E que ele é acusado de discriminação contra negros, homossexuais e mulheres. E que ele é sádico por causa do sadismo.

As coisas cuja discriminação eu temo são humor e verdade.

Se eu escrevo coisas ruins sobre negros, homossexuais e mulheres é porque aqueles que conheci eram assim. Há muitos ‘maus’ – maus cachorros, má censura; há até ‘maus’ homens brancos. Apenas quando você escreve sobre “maus” homens brancos eles não reclamam a respeito. E eu preciso dizer que há ‘bons’ negros, ‘bons’ homossexuais e ‘boas’  mulheres?

Em meu trabalho, como escritor, eu apenas fotografo, em palavras,  o que vejo. Se eu escrevo sobre ‘sadismo’  é porque ele existe, eu não o inventei, e se algo hediondo ocorre em meu trabalho é porque tais coisas acontecem em nossas vidas. Não estou do lado do mal, uma vez que algo como o mal existe em abundância. Em minha escrita eu nem sempre concordo com o que acontece, muito menos me arrasto na lama puramente por sua causa. Também, é curioso que as pessoas que fazem críticas a meu trabalho parecem ignorar seus trechos que falam de alegria e amor e esperança, e tais trechos existem. Meus dias, meus anos, minha vida tem visto altos e baixos, luz e escuridão. Se eu escrevesse só e continuamente sobre a ‘luz’ e nunca mencionasse os outros, então como artista eu seria um mentiroso.

A censura é a ferramenta daqueles que precisam esconder realidades de si próprios e dos outros. Seu medo é apenas sua incapacidade de encarar o que é real, e eu não posso descarregar ódio nenhum sobre eles. Eu apenas sinto essa tristeza aterradora. Em algum lugar, em sua criação, eles foram protegidos contra os fatos totais de nossa existência. Eles foram ensinados a olhar de apenas uma maneira, quando muitas maneiras existem.

Eu não fico alarmado que um de meus livros tenha sido caçado e desalojado das prateleiras de uma biblioteca local. De certa forma, estou honrado por ter escrito algo que tenha acordado essas pessoas de suas profundezas inertes. Mas me machuca, sim, quando o livro de alguma outra pessoa é censurado, pois aquele livro geralmente é um grande livro e há poucos como aquele, e através dos tempos aquele tipo de livro frequentemente se tornou um clássico, e o que uma vez foi chamado de chocante e imoral é agora uma leitura obrigatória em muitas de nossas universidades.

Não estou dizendo que meu livro seja um desses, mas estou dizendo que, em nosso tempo, nesta época, quando qualquer momento pode ser o último para muitos de nós, é irritante e absurdamente triste que ainda tenhamos entre nós as pessoas pequenas, amargas, os caçadores de bruxas e os que pregam contra a realidade. Ainda assim, eles também estão conosco, eles são parte do todo, e se eu não escrevi sobre eles, eu deveria, talvez o tenha feito aqui, e isso basta.

Que todos nós fiquemos melhores juntos,

seu,
(Assinatura)
Charles Bukowski”

Revisado por Patrícia Oliveira, como visto em Literatortura