Beijada por um Vampiro

POSTADO POR: admin ter, 30 de outubro de 2012

Dando continuidade em nossa Semana Especial de Halloween, chegou a minha vez de apresentar um conto de Dia das Bruxas. E para isso, eu não me detive em abusar dos clichês para contar esta história de uma adolescente comum que sonhava em viver a ‘magia’ que lia em seus livros… 
Você até pode achar que já ‘conhece’ esse enredo… Mas posso te garantir que esse aqui, termina bem diferente. Veja só:
Aquela longa espera só servia para ampliar a latente agonia da jovem
que saboreava um enorme milk-shake de morango sentada na última mesa da sua
lanchonete preferida. Thaís descarregava toda sua impaciência em um constante
balançar de pernas que não conseguiria parar, mesmo que quisesse. 
Sua companhia
já completava vinte e cinco minutos de atraso. Nesse meio tempo, pode devorar
um lanche completo de fast food, pela
primeira vez sem preocupar-se com seu peso desde que atingiu a adolescência. Com
apenas dezoito anos, supostamente, aquela havia sido a sua última refeição. E agora
ela sugava com o canudo as últimas gotas da sua última sobremesa.
Como tira colo, trouxera consigo apenas alguns exemplares de seus
romances favoritos. Seus livros. Seus únicos amigos. Tudo que considerou
necessário para iniciar sua nova vida. Todo o seu ‘mundico’ incompreendido pelos seus pais, explicitamente descritos
nas páginas daquelas obras cuidadosamente dispostas na mesa a sua frente.
Estava orgulhosa de si. Era nítido em seu olhar. Após longas madrugadas
de pesquisas na internet se oferecendo como presa para um predador,  finalmente
ela parecia ter conseguido o impossível. Estava prestes a encontrar-se, face a
face, com a criatura que habitava seus livros, e seus sonhos.
Trinta minutos de atraso. Poderia parecer muito para uma situação
normal, mas aquela ocasião era especial. Muito especial. E o tempo não vale de
nada quando estamos lidando com a imortalidade. Assim pensou Thaís.
Um dispositivo eletrônico do estabelecimento emitiu um leve som
digital quando um novo cliente passou pela porta de entrada. Isso não ocorria
com frequência durante o turno da madrugada.
O homem magro, careca e com orelhas tão deformadas quanto a de um
lutador de jiu-jitsu, foi atravessando o lugar e caminhando sem cerimônia em
direção a jovem Thaís com suas pernas irrequietas na última mesa da lanchonete.
Parou em frente a jovem e por alguns instantes pareceu fita-la por de trás dos
óculos escuros. Emitiu um curto sorriso sem mostrar os dentes e sentou-se a sua
frente.
Assustada, mas confiante, ela tentou dialogar com o sujeito:
– Com licença. Mas eu estou esperando alguém…
– É. Eu sei. – apontou para a taça vazia em frente à menina – Milk-Shake
de morango? Aposto que tomou fingindo que bebia sangue, hehe.
– Me desculpa, mas eu não estou entendendo.
O estranho debruçou-se sobre a mesa, como quem fosse chegar mais perto para
contar um segredo, e sussurrou para a garota.
– Eu sou o vampiro que você está esperando, minha cara.
Retornou a sua posição inicial e para o alívio de Thaís, levou todo o mau cheiro de seu hálito com ele. Por pouco ela não vomita tudo que
comeu.

– Mas você? Você é o Ferdinan? Mas está tão diferente…
– Das fotos de ‘avatar’ que usei naquela rede social onde nos
encontramos? Fato um, vampiros não refletem imagens, você deveria saber disso.
Não está escrito em algum lugar desses livros que você tanto lê?
– apontou para
os livros dispostos na mesa – Vocês tem essa fixação por espelhos, e esquecem que esse truque
também inclui fotos, filmagens e principalmente câmeras de segurança.
Com um movimento simples de cabeça, o sujeito fez a jovem acompanhar
seu olhar até visualizar uma das câmeras de segurança presas ao teto do lugar.
– Então você é mesmo o vampiro Ferdinan?
– Na verdade, também há uma controvérsia em relação a isso. Meu nome é Venâncio, mas uma grande maioria entre os da minha espécie costumam
adotar um novo nome quando adentramos nessa vida ‘noturna’. No meu caso eu
escolhi ‘Ferdinan’. Ajuda muito na interação com as mulheres. Se eu usasse meu
nome verdadeiro para atrair minhas presas, acabaria morrendo de fome.
– Mas é que eu imaginei você tão diferente.
– Tenho que dizer que você também parece bem mais magra na sua foto de
‘avatar’.
– Nossa, não precisa me tratar com grosseria.
– Não é grosseria. Para o que vamos fazer, eu até prefiro.
– Então você vai mesmo… me morder?
– Ah sim. Essa parte é cem por cento verdade.
– E me fazer viver para sempre?
– De certa forma,… sim. A proposta ainda está de pé. Está pronta?
A dupla deixou o lugar acompanhada pelo melancólico som digital do
mecanismo que, minutos antes, anunciara a chegada de Venâncio.
Enquanto caminhavam pela calçada vazia, Thaís tentava acostumar-se com
o rosto mal tratado do vampiro que nem de longe parecia com a imagem romantizada
que ela tanto viu em filmes e leu em seus livros. O rosto do homem continha
deformidades semelhantes à de uma vitima de queimadura, mas ela não ousou questionar
a criatura sobre o caso.
Os dois caminharam em silencio por três quarteirões até que pararam
diante de um beco largo e mal iluminado.
Venâncio esticou a mão e indicou a entrada para Thaís.
– É por aqui.
– Não estou entendendo. Você mora aqui? Ou o seu carro que está aqui?
– Meu carro. Sim. Isso mesmo. Meu carro está estacionado por aqui.
Meio desconfiada, a jovem foi adentrando o beco em passos curtos.
Disposta a participar daquele joguinho de gato e rato com aquele vampiro
desprezível, em troca do que apenas ele poderia lhe oferecer… Antes mesmo que
Thaís pudesse concluir este pensamento, em um movimento sobrenatural, Venâncio
chocou sua cabeça contra um dos muros da viela e a jovem caiu zonza no chão.
Olhou para cima, e tudo que conseguia ver eram os dentes do
vampiro, tortos e ensebados, descoordenados em um largo sorriso exibido por
Venâncio. Tudo tão diferente do que os livros diziam.
Com o sangue já escorrendo sobre a fonte, juntou forças suficientes
para desperdiçar em uma pergunta.
– Mas porque? Você prometeu… Você disse que me faria eterna, assim
como você.
Ele segurou o rosto de Thaís entre as mãos e aproximou a boca de seu
ouvido. Prestes a lhe contar outro segredo. Desta vez, o último.
– Acredite minha querida, seu sangue viverá eternamente dentro de mim.
E sem pestanejar, cravou os dentes amarelados no pescoço de Thaís lhe
sugando até a última gota de sangue. Como se fosse seu próprio milk-shake de
morango.
Ao terminar sua ‘sobremesa’, Venâncio pegou um dos livros caídos de
Thaís e arrancou algumas páginas do exemplar, usando as folhas como toalha para
limpar o sangue que escorria pelas suas mãos. Antes de devolver o livro a sua
dona, se deteve por alguns segundos para ler o título da obra, e o fez em voz
alta.
‘Beijada por um vampiro’. Benditos romances baratos. Tornam todo o
nosso trabalho bem mais fácil.

Deixou o livro cair sobre o rosto sem vida da garota e seguiu pelo beco assobiando uma melodia que ouvira na trilha sonora de algum filme de terror.