Apenas mais um no meio da manifestação

POSTADO POR: admin sex, 25 de outubro de 2013

Um saquinho verde para Jeová
Ou a história de um quase manifestante por
ocasião


Jeová tinha esse nome para seguir os passos do messias, como era o desejo de sua
mãe. Porém, ao tornar-se adulto, optou pela realidade fora da cruz, largou o seminário, e hoje trabalha com mais cinco apóstolos exercendo a função de segurança
noturno em um bordel da Lapa. Às vezes, até come alguém de graça. Às vezes paga…
Às vezes nem pensa nisso e faz oração.

Jeová é um mulato risonho em briga com a balança. Nos anos 80 deixou o
cabelo crescer ao melhor estilo capacete (rei da dance music), e agora fica puto por estar
careca.. Logo ele, que dava tanto valor ao cabelo! Quando está sozinho em seu
apartamento podre, ali pela Cinelândia, Jeová gosta de assistir sacanagem na TV a
cabo, gosta de assistir sacanagem ao vivo na internet, gosta de Discovery channel,
documentários, biscoito de polvilho doce, jogo do Vasco, tapioca e maconha. Ele
gosta? Não, senhores, por favor, ele não gosta de maconha, ele gosta é de
mulher e biscoito de polvilho; maconha é apenas remédio, uma terapia verde (palavras
dele) para manutenção do equilíbrio. E, desde que conseguiu um amigo rico no
Bordel que o levasse à Califórnia, passou a ostentar o receituário médico de um certo
Doutor que encontrou em Huntington Beach,
o autorizando a fumar três baseados diários.

Aquele dia Jeová estava em casa e queria fumar seu remédio de praxe, mas
precisava sair para comprar. O problema era o tumulto lá embaixo. O Rio, assim
como o Brasil todo estava fervilhando. Os professores lutavam por seus
direitos, cidadãos descontentes tomavam as ruas libertando gritos de
protesto… Bandeiras e ideais caminhavam juntos, mas Jeová não queria saber de
nada naquele momento. Só pensava em como fazer para chegar até o apartamento do
seu traficante (farmacêutico não licenciado, digamos assim para não ofendê-lo quando
ele ler isso aqui) e depois passar novamente na multidão com o remédio no
bolso.

– Vou passar aí pra pegar um gafanhoto, Dodge?
– De quanto?
– 50 pulinhos já dá pra mim.
– Tá… Mas tá foda aí embaixo, se liga, fica de
olho.
– Eu sei, tô acompanhando pela janela e na TV.
– Não quer deixar pra vir depois? Tu tem a maior cara
de manifestante pacífico.
– Não vai dar! Preciso ir aí antes de sair pro
meu turno,depois só amanhã.
– Tu que sabe, então…

A ida foi bem fácil, Jeová passou reto pela multidão, pegou o lance com
o porteiro do Dodge e logo já estava de volta à mesma multidão, dessa vez com um
saquinho verde no bolso. Porém, justo agora, perto de atravessar e subir para o
seu apartamento, uma bomba de gás lacrimogêneo cai perto dele. A multidão abre,
mas Jeová não corre e apenas caminha devagar para longe da fumaça. Mais à
frente, um cão policial começa a latir, desesperado em sua direção. – Filho da puta! – pensou. Contando vinte
segundos para cada dois ou três que se passavam, Jeová viu o policial vindo em
sua direção, controlando a guia do cachorro infernal sem deixar de olhar atentamente
em seus olhos.

– Ei você, pare aí!
– Eu?
– É! Você mesmo!
– Pois não, Oficial.

O policial deu com o cassetete no meio da cara dele, bem abaixo da maçã
do rosto. Um estrago feio.

– Oficial é o caralho, vamos liberando o bagulho aí no bolso, crioulo de merda! 
Alguns manifestantes viram a cena e correram para defender Jeová, aos
gritos de justiça. Uma luta de arena começou; vida e morte, escravos desarmados
e guerreiros de armadura treinados na eficiente arte de matar. E no meio deles,
Jeová, o segurança de puteiro (e poeta) que só queria fumar um baseado para não matar
ninguém de estresse nos dias fodidos.
– Eu sou professor! – gritava Jeová, engolindo um pouco do próprio
sangue.
– Uma porra! É vândalo! O cachorro sentiu cheiro de bagulho ou pólvora
na bermuda dele.
– Deve ser do teu cu, seu matador de Amarildo!
Jeová levou um pisão no estômago. Quase desmaiou, mas ficou ali com
olhos entreabertos vendo a multidão defender o seu santo nome em vão. Depois, apagou.

Laurinha me disse que ele está preso por porte de drogas, desacato, e o
agravante de ter resistido a prisão (??). Lembrei-me dele várias vezes porque também escreve
poemas ruins. E um dia falou que podia me nocautear, dai comeu merda com dois
jabs no nariz (mandei com a direita na frente). Gente boa.