A vingança do negro Tobias

POSTADO POR: admin sex, 02 de novembro de 2012

Não se iluda, ainda estamos amaldiçoados pela nossa Semana Especial de Halloween. E nesta sexta, é a vez da Coluna Invisível do grande Allan Pitz entrar no clima do Dia das Bruxas e implantar o ‘sobrenatural’ em suas linhas.
E se você é daqueles que se borram de medo das lendas estrangeiras, mas acham o folclore nacional algo inofensivo,… prepare-se para se surpreender. 
O camarada Alfredo decidiu que eu precisava descansar.
– Ninguém perde a criatividade assim, meu amigo, ainda mais você.
Escute, vá passar uns dias, sozinho em minha casa de campo. Lá você poderá
escrever com calma, relaxar, tirar o excesso de estresse da cabeça… Aí a
criatividade volta.
– Pode ser uma boa ideia. Obrigado, Alfredo.

Uma bela casa de madeira, afastada
do centro de Caxambu, na Serra da Mantiqueira em Minas Gerais. Silêncio, ar
puro, natureza, conforto. Logo de cara deu pra perceber que o remédio faria
efeito. Só precisava abastecer a geladeira e saborear algumas relíquias guardadas
na adega, o resto era relaxar na solidão dos bons pensamentos. Criar com a
mente.
No mesmo dia, coloquei meu laptop
na mesa da varanda, abri uma garrafa de vinho e fiquei revezando entre tentar escrever
e olhar as belezas da serra. Brotaram alguns poemas; um bom começo.
Lá pelas dez da noite a natureza
me venceu com seu bando infalível de muriçocas assassinas, e eu precisei entrar trancando
portas e janelas. À noite a casa do Alfredo não tinha o mesmo aspecto acolhedor
da manhã, a escuridão lá fora lembrava o tamanho do homem perante a natureza
selvagem, os sons de animais desconhecidos contribuíam para a sensação de
insegurança e pequenez.

– Que fiasco… Eu estou cabreiro. Estou cabreiro com a escuridão e os
barulhos no mato. Que fiasco urbano eu me tornei.
Liguei a televisão, por sorte a
antena parabólica permitia sintonizar uns 20 canais fuleiros. Deixei na
transmissão de um telejornal. Mergulhei no sofá; tomei o restinho de vinho no
gargalo da garrafa. O sono foi chegando. A voz da repórter narrando o caos das grandes cidades trazia
mais sono.
Adormeci.
Acordei de repente com duas pancadas secas na porta. Assustado, pensei
em ligar para o Alfredo antes mesmo de atender. Olhei para o relógio na parede,
marcava duas horas da madrugada.
– Que diabos! Mas o quê…? Quem está aí?
– ABRE.
– UMA PORRA! QUEM É?
Não respondeu. Corri até a cozinha e me armei com um facão e
um espeto de churrasco (a espada de samurai). Fui caminhando devagar até o
basculante do corredor, ali dava pra ver a varanda, lateralmente. Um homem
negro estava parado de frente para a porta da sala, vestia apenas uma calça de
capoeira antiga, surrada, dobrada até a altura dos joelhos. Não estava armado.
– Ei cara, estou te vendo aqui pela janela. Qual é a sua?
Você é amigo do Alfredo? Está bêbado?
O cara virou pra mim apontando seus olhos de farol completamente brancos. Começou a sorrir.
– JESUS MARIA JOSÉ! – Gritei trancando o basculante.
– ABRE A PORTEIRA, SEU MOÇO.
– UMA PORRA!! VÁ PARA O  INFERNO, FILHO DO CÃO, FILHO DA PUTA MALUCO!!
– ABRE! ABRE QUE O MEU POVO QUER ENTRAR, SEU MOÇO!
As pancadas aumentaram, a casa toda tremia e a sensação era de que, agora, umas cinquenta pessoas estavam lá fora com ele. Gargalhavam,
pulavam, batiam em portas e janelas, cantavam. A televisão desligou. As luzes
piscavam na iminência de apagar a qualquer momento. Juntei as mãos e comecei a
rezar. Rezei para que aquilo tudo acabasse, mas a cantoria era interminável. As
pancadas na porta continuavam mais firmes. Sombras passavam pelas janelas, vozes chamavam por meu nome em zombaria. Sentei num canto, rezando. Fiquei lá.
Devo ter desmaiado de nervoso. Acordei às sete da manhã sentado no chão do corredor, ao lado das armas que
peguei na cozinha. A porta da sala estava aberta, as janelas escancaradas. Lá
fora os pássaros cantavam e a natureza continuava seu show de todos os dias.
Parti dali sem olhar para trás, tranquei a casa e acelerei o
carro rumo ao Rio de Janeiro. Alfredo quis logo saber o que me fez voltar tão
depressa.
– Nada, meu amigo. Só fiquei com saudades de pedir comida
por telefone. Já não vivo sem fast food.
– Mentira. Você deve ter visto o tal Negro Tobias… Meu antigo caseiro também viu. Vou mandar rezar aquela merda.